5 - NEM TUDO É SOBRE VOCÊ

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Mia

Deixo tudo arrumado na loja antes de seguir para a cafeteria em frente à Sok Beauty — a loja da família Baek. Tia Yoo-na não se importa que eu saia mais cedo, contanto que seja para estudar. Como Park já tinha avisado a mãe que eu daria aulas de reforço para o Ravi, ficou tudo certo. Mas, por via das dúvidas, marquei o encontro perto da loja. Assim, posso corrigir os exercícios e voltar antes da troca de turno das funcionárias.

O lugar é aconchegante, com cadeiras de madeira clara e uma decoração minimalista. Escolho uma mesa ao lado da janela, de onde consigo ver a entrada da loja. Abro minha mochila e começo a organizar os materiais que separei para o Ravi: exercícios de álgebra e algumas questões de geometria. Nada muito complicado, mas o suficiente para entender onde ele está travando.

Quando Ravi aparece, não tem como não notar. Com quase dois metros de altura, ele domina a escada rolante como se fosse feita só para ele. As meninas olham. Sempre olham. Já me acostumei com isso. Passo metade do meu tempo ao lado de Park Baek, então sei exatamente como é ser invisível perto de garotos que brilham.

Ravi sorri assim que me vê. O sorriso é aberto, mostrando os dentes alinhados, que destacam ainda mais os lábios grossos e vermelhos. O contraste entre os cabelos pretos, a pele morena e o uniforme do colégio chama atenção. Apesar da altura intimidadora, ele tem um jeito tranquilo, quase tímido.

— Senta aí, Ravi. — Aponto para a cadeira à minha frente.

Ele senta, mas suas pernas não cabem embaixo da mesa. Depois de algumas tentativas desajeitadas, desiste e as estica para o lado. Tento segurar a risada, mas falho miseravelmente.

— Eu separei uns exercícios iniciais pra ver onde você tem mais dificuldade. Fiz mais ou menos o mesmo esquema que faço com o Park.

— O Baek me disse que você não tem muita paciência — Ravi ergue uma sobrancelha, desconfiado. — Já vou avisando que matemática é grego pra mim.

— O Park é um exagerado. Eu sou paciente. Ele que vive no mundo da lua. — Retribuo o olhar cético dele. — Se você focar, vai ser tranquilo.

Ravi sorri, e, por um segundo, deixa de parecer o "gigante do basquete" para ser só um garoto tentando passar na matéria. Ele pega o lápis e se inclina sobre a mesa.

Ficamos quase uma hora assim: ele faz, eu corrijo. Diferente de Park, Ravi realmente tem dificuldade. Com Park, o problema é preguiça; ele entende rápido, mas só quando quer. Ravi, não. Ele trava de verdade, como se as equações fossem uma língua alienígena.

— Tá com fome? — Ravi pergunta, apontando para o QR Code no canto da mesa. — Escolhe aí, eu pago.

— Não precisa, tô de boa. — Respondo enquanto corrijo as respostas.

— Ah, deixa disso. Escolhe alguma coisa. Eu faço questão.

Pegando seu celular escolho sem pensar muito.

— Uma fatia de cheesecake e chá gelado.

Ele sorri satisfeito e vai até o balcão. Aproveito para voltar a revisar, mas uma sombra cobre a mesa. Levanto a cabeça e vejo Park parado ao meu lado, os braços cruzados e aquele olhar que conheço bem.

— Que susto, idiota! — Reclamo, colocando a mão no peito.

Ele puxa a cadeira de Ravi e senta ao meu lado, como se aquele lugar fosse seu desde o início.

— E aí? Ele é mais burro que eu, né?

Faço uma careta.

— Não fala assim do seu amigo, arrogante.

Ravi volta com a bandeja e, ao ver Park, para por um segundo. Coloca a bandeja na mesa e sai para buscar outra cadeira. Agora estou no meio de dois gigantes, as pernas deles ocupando todo o espaço embaixo da mesa.

— Ai, Ravi — Park diz, sério. — Já deu de estudar por hoje. A noona tem que voltar pra loja. Aquilo tá um caos.

Meu coração dá um pulo.

— Como assim, caos? — pergunto, tentando olhar pela janela, mas Park bloqueia minha visão.

— Você sabe. Sem você lá, as coisas não andam.

— Desde quando você se importa com a loja?

Ele ignora minha pergunta e solta a frase como quem não quer nada:

— Temos que voltar.

— Temos? — Faço uma careta. — Desde quando "temos"?

— Desde agora.

Ravi parece desconfortável.

— Acho que já deu por hoje. Foi suficiente.

Park recosta na cadeira, balançando a cabeça lentamente, satisfeito.

— Você não atrapalha, Ravi. Vou preparar mais exercícios pra próxima aula.

— Pode ser amanhã? — Ravi pergunta, hesitante.

Antes que eu responda, Park intervém:

— Amanhã não.

— Park, você não manda em mim.

— Só tô dizendo que amanhã você tem coisa mais importante pra fazer.

— Claro que não. Te mando mensagem mais tarde, Ravi.

— Você tem o número dele? — Park pergunta de repente, franzindo a testa.

— Sim.

Ele alterna o olhar entre mim e Ravi.

— Desde quando?

— Desde a festa do campeonato do ano passado — Ravi responde casualmente.

— E ninguém me contou?

— Porque nem tudo é sobre você, Park.

Recolho minhas coisas me levantando, mas percebo que ele está boquiaberto, tentando processar a ideia de que o mundo não gira ao seu redor.

Antes de sair, vejo Park pegar meu último pedaço de cheesecake.

— Ei, isso era meu!

— Agora não é mais.

— Tão maduro...

Ravi ri, ajeitando a mochila.

— A gente se fala, Mia. Obrigado por tudo.

— De nada, Ravi. Não liga pro Park. Ele só age assim pra chamar atenção.

— Eu ouvi isso!

— Era pra ouvir mesmo.

Atiro um guardanapo na cabeça dele antes de sair.

— Amanhã você não sai com ele, hein! — Park grita atrás de mim.

— Você não manda em mim, Park!

Pelo reflexo da vitrine, vejo Ravi rindo e Park jogando o guardanapo longe.

Ele nunca muda.

✶✶✶


Atrás do balcão da loja, me peguei lembrando do dia que o Ravi me passou seu contato e dos motivos que me levaram a nunca contar ao Park.

Havia anos que o time de basquete não vencia um campeonato. Park decidiu que isso precisava mudar, e colocou na cabeça de todos que seríamos invictos, que a maré de derrotas ficaria no passado. E ele não só acreditou nisso, como fez acontecer.

A dedicação dos jogadores foi tanta que até os estudos melhoraram. O técnico havia deixado claro que notas vermelhas significariam punições severas. O esforço foi tão intenso que a prefeitura disponibilizou o ginásio poliesportivo da cidade para os treinos. Alguns jogos também aconteceram lá, já que o público cresceu tanto que a escola não conseguia acomodar mais ninguém. As transmissões ao vivo pela internet transformaram o time em uma febre. Eles eram os maiorais.

Quando a última partida chegou ao fim, o técnico liberou a quadra para uma festa. Não sei como a internet faz essas coisas acontecerem, mas, em pouco tempo, já havia DJ, iluminação e uma multidão.

— Meu Deus, isso tá incrível! — Lara comentou, com brilho nos olhos e empolgada ao som de Bruno Mars. — Vem, vamos dançar.

Segui sua sugestão sem muita vontade, enquanto os olhos insistiam em procurar Park. Até aquele momento, ainda não tinha conseguido dar um abraço pela vitória.

A quantidade de garotos do time fazia com que encontrá-lo fosse quase impossível. Quando finalmente o avistei, senti uma pontada de decepção. Ele rodopiava Luna, que ria antes de voltar para os seus braços. Ela parecia feita sob medida para aquele abraço, uma cena que alfinetou minha alma. O peito murchou quando o vi inclinar-se em direção ao rosto dela.

Desviei o olhar, sem a menor intenção de participar do que estava rolando.

— Você não sabia que o Baek tá pegando a Luna? — Lara perguntou, analisando a expressão que eu tentava esconder.

Foi um esforço enorme conter o furacão de raiva que ameaçava me engolir.

— Não — respondi, amarga.

Já tinha parado de dançar há um tempo, e, por isso, sentia cada esbarrão da galera agitada ao redor. Lara continuou observando Luna e Park por cima dos meus ombros, mas logo segurou meu braço com preocupação.

— Tá tudo bem, Mia?

— Claro — menti. — Só fiquei chateada por não ter sabido por ele. Vou buscar uma água.

Lara assentiu, fingindo acreditar na desculpa repentina.

Respirei fundo enquanto caminhava e soltava o ar devagar. Não sabia explicar exatamente o que sentia, mas tinha certeza de que não era algo bom.

Sabia que Park era popular. As meninas viviam ao redor dele, mas nunca me preparei para vê-lo assim: namorando.

Engoli a lágrima que queria cair e aquele sentimento incômodo de insegurança. A ideia de perder meu melhor amigo para uma garota que nem sabia o prato favorito dele fazia o estômago revirar. Quem mais roubaria feijoada do congelador para trocar por kimchi? Não seria mais eu?

Encostei na parede ao lado do bar.

— Mia? — uma voz masculina chamou. Levantei o olhar e encontrei Ravi. Antes de responder, limpei a lágrima que escapou. — Tá bem?

— Sim — forcei um sorrisinho.

— Não parece. — Era difícil disfarçar minha carranca, mas fiz o possível.

— Na verdade, tô tentando chamar um Uber, mas o sinal tá horrível. — Ravi juntou as sobrancelhas. — Enxaqueca. Preciso ir pra casa, ficar na cama... — ou chorando onde ninguém pudesse me incomodar.

— Ah, entendi. Minha mãe também tem isso. Melhor deitar no escuro e sem barulho.

— Melhor.

— Deixa comigo. — Ele pegou o celular do bolso. — Me passa seu endereço e contato.

Ravi fez a solicitação e ficou esperando comigo até o carro chegar. Antes de embarcar, lhe dei um abraço. Um abraço que deveria ser de Park.

— Parabéns pela vitória. Vocês foram incríveis.

Ravi sorriu, agradecido, abriu a porta e, antes que o motorista partisse, pediu:

— Me avisa quando chegar.

Assenti.

Entrei na surdina em casa, correndo para o meu quarto, abracei o elefante de pelúcia que ganhei do papai e prometi que Park Baek não mereceria mais minhas lágrimas.

Peguei o celular e mandei uma mensagem para Ravi avisando que tinha chegado. Ele respondeu quase imediatamente:

R: "Que bom... 😅 Pena que você não conseguiu ficar. Eu ia te chamar pra dançar, mas fica pra próxima. Só se cuida. 😊"

M: "😊"
Respondi com um emoji sorrindo.

E, antes de afundar o rosto no travesseiro, jurei para mim mesma que nunca mais contaria tudo sobre a minha vida para Park Baek, já que ele não fazia o mesmo por mim.

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E aí, estão gostando????

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora