4 - A SOMA DE UM MAIS UM NEM SEMPRE É DOIS

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Mia

O celular vibra pela segunda vez, me arrancando de um sonho confuso. Dou um pulo na cama e estico o braço, desligando o alarme com mais força do que o necessário, como se fosse culpa dele que eu já estivesse atrasada. Respiro fundo, mas não há tempo para me acalmar. Corro para o banheiro, escovo os dentes e, com um malabarismo digno de uma ginasta, visto o uniforme do colégio.
Já fiz isso tantas vezes que poderia competir na categoria "vestir-se em menos de dois minutos".

A semana inteira foi dedicada a essa prova. Park está preparado, mas sei que sua cabeça está longe dos números. Está na quadra, no basquete, na peneira. Ele precisa ir bem nas notas para não perder o penúltimo jogo do campeonato intercolegial. Mesmo que passe na peneira, pode ser cortado do time se tiver um desempenho ruim na escola.

— Merda! — Grito, saltando em um pé só depois de bater o dedinho na quina da mesa da sala.

Minha mãe me espera na cozinha com uma vitamina de abacate no copo. Nem penso em sentar. Pego o copo com as duas mãos e viro tudo de uma vez. O líquido espesso desce rasgando pela garganta.

— Vai engasgar, menina! — Mamãe arregala os olhos. — Senta e come um pão. Tá fresco.

— Nem pensar! — Falo com a boca ainda cheia de vitamina, enquanto corto uma fatia de bolo de fubá, jogo no pote de plástico e enfio na mochila. — Tenho prova de matemática e já tô atrasada!

— Não vai adiantar sair correndo, Mia! — Grita enquanto atravesso porta afora.

A tia Yoo-na já está no carro, o motor ligado, com aquele ar de quem está há séculos esperando.

— Bom dia, Mia! — Me cumprimenta com um beijo no rosto, sempre sorridente. — Manda uma mensagem pro Park. Ele só responde você. Pede pra ele descer.

Ela bufa e buzina uma vez, como se isso fosse resolver o problema.

Quando estou prestes a mandar um áudio furioso, avisto ele. E que cena irritante. Park desce as escadas da entrada como se o mundo inteiro tivesse diminuído a velocidade só para esse momento. Joga a franja para trás, o cabelo escuro sedoso brilhando ao sol. A pele impecável, sem nenhuma olheira, mesmo depois de uma semana inteira estudando até tarde.

Ele abre a porta da frente com aquele ar despreocupado.

— Sai, pentelha. O banco da frente é meu.

— Nem a pau. Eu cheguei primeiro.

Me encara, cruzando os braços. Eu faço o mesmo, sem recuar.

— Você é carona. Senta onde sobrar.

— Park! — A voz firme da tia Yoo-na corta como uma faca. — Vai pra trás e fica quieto.

Ele bufa, batendo a porta e se joga no banco de trás. O perfume caro invade o carro. Abro a janela, odiando como aquele aroma parece grudar em mim.

Uma vez, roubaram meu moletom porque viram Park borrifar desodorante em mim para "brincar". Esse é o nível da febre Baek no colégio.

— Boa sorte, crianças! — Tia Yoo-na nos deseja quando descemos do carro.

— Obrigada! — Respondo com um sorriso.

Park apenas acena preguiçosamente. Caminha pelo pátio da escola como se fosse dono do lugar. As meninas fazem tchauzinhos e cochicham. Alguns atletas e populares o cumprimentam com tapas nas costas. Ele retribui, mecânico. E eu? Apenas caminho ao seu lado, invisível.

Na sala de aula, o silêncio é quebrado apenas pelo som dos papéis sendo distribuídos. Recebo minha prova e olho de relance para Park. Ele tenta esconder, mas vejo o vinco na testa enquanto lê as questões.

— Boa sorte — cochicho, torcendo para que ouça.

Me concentro nos números à minha frente. As fórmulas fluem naturalmente, e antes que perceba, já terminei. Entrego a prova e, ao cruzar a porta, olho para Park. Ele está focado, o lábio preso entre os dentes. Isso me tranquiliza ao menos está focado.

Saio de lá, já sabendo onde ele vai depois, sigo para a quadra.

Na quadra, pegando uma bola  começo a quicar para passar o tempo. Seguro a bola com as duas mãos, fecho os olhos e miro na cesta. Arremesso. A bola sai torta e cai miseravelmente no chão.

— Como ele faz isso parecer tão fácil? — Resmungo.

Tento de novo, dessa vez com mais força. A bola bate no aro e volta direto no meu rosto.

Palmas ecoam. Olho para o lado e vejo Park e Ravi assistindo à cena, rindo como dois idiotas.

— Noona! Como jogadora, você dá uma ótima professora de matemática. — Park comenta, divertido.

— Sou ótima professora mesmo. — Respondo, fingindo indiferença.

Ravi pega a bola, mira e arremessa com perfeição, como se fosse simples.

— Você é ótima sim. — Park pega a bola e, sem nem olhar, acerta a cesta de novo. Ele se vira para mim com um sorriso convencido. — E a prova? Achei fácil. Tudo por sua causa.

— Sabia que você conseguia. — Sorrio, sem perceber.

Ravi e Park trocam olhares cúmplices. Park faz um gesto com a cabeça e Ravi parece entender.

— Será que pode me ajudar também? — Ravi pergunta, sem jeito. — Se eu for mal, fico fora do time.

Deveria dizer não. Ser amiga do astro da escola já é complicado. Mas Ravi parece realmente desesperado.

— Beleza. — Respondo.

— Quando e onde? — Ele já está mais animado.

— Vai até a loja onde trabalho depois das 13h. Leva sua apostila e lápis.

Ravi olha para Park, como se esperasse permissão. Park apenas faz um aceno lento.

— Então até lá, Noona. — Park se despede.

— Você não vai — aponto para Park, cortando sua animação.

— Por que não?

— Porque vai atrapalhar.

Ele faz uma expressão incrédula, abrindo os braços.

— Eu? Atrapalhar? Tá brincando?

— Se quer minha ajuda, são minhas regras.

Atiro a bola para ele, que a segura com força. Seu maxilar aperta, e ele lança um olhar esquisito para Ravi antes de jogá-la direto no peito dele.

— A jogada é sua agora. Mas não esquece... — Ele sorri de canto. — Eu não perdoo adversários.

Ravi engole em seco.

Park sai da quadra, mas lança um último olhar para mim. Ele está irritado, mas há algo mais ali. Algo que não sei explicar.

Mas sei que isso está longe de acabar.

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora