3-Sem medo, sem ganho.

33 7 6
                                        

Mia

Entrar no quarto depois de um dia cheio é como atravessar a linha de chegada de uma maratona. O corpo pede cama, mas a mente insiste que o dia ainda não acabou. Dou um passo para dentro, e o celular vibra dentro da mochila. Já sei o que vem, mas mesmo assim pego o aparelho.

P: "Vamos comer sem você? 😛"

Bufo, mas o sorriso escapa antes que eu perceba. Ele nunca muda, sempre as mesmas piadinhas. É irritante e, ao mesmo tempo, é exatamente o que me faz rir.

M: "Vou tomar um banho rapidinho e separar o material de matemática. 🤓"

Park é inteligente, mas só usa o cérebro para o que realmente importa: basquete. Tudo o mais que pode empurrar para mim, ele faz. Mas já aprendi a lidar com suas táticas. Não sou tão fácil assim.

O banho, que deveria ser rápido, se transforma em um momento de reflexão. Minha mente vagueia entre os exercícios de matemática e a cena de hoje na aula de educação física, quando ele arremessou de costas para a cesta, deixando todo mundo de boca aberta. Como alguém pode ser tão bom no que faz? Bem, pelo menos nos esportes.

Ao me arrumar, escolho uma camiseta branca com o símbolo da Nike em vermelho e uma bermuda velha que já foi dele. Park vive dizendo que o "autógrafo" que fez nela vai valer muito no futuro, mas eu uso como pijama só para provocá-lo. E isso me diverte mais do que deveria.

Calço chinelos com meias (sim, meias!) e saio. O condomínio está tranquilo, como sempre. A casa de Park é logo a segunda a partir da minha, e, ao me aproximar, ouço o som familiar da bola de basquete quicando. É claro que ele está lá. O ritmo constante ecoa no ar como um lembrete de que, para Park Baek, o dia nunca acaba.

Chego e vejo à cena: ele está no quintal, enfrentando dois garotos mais novos. Mesmo suado e com a camiseta colada no corpo, seus movimentos são precisos, quase coreografados. Os meninos tentam marcá-lo, mas Park os dribla com a facilidade de quem nasceu para aquilo. Quando ele arremessa de costas para a cesta improvisada pelo Sr. Kim, a bola entra limpa. Os meninos jogam as mãos na cabeça.

— Você é um poste! — reclama um deles, bufando.

Park ri, passando a mão pelo cabelo molhado.

— O segredo não está no tamanho, mas na persistência — diz, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Não importa a posição, só importa ser bom no que faz.

E, como para reforçar sua filosofia, arremessa mais uma vez de costas. A bola entra perfeita. Os garotos ficam de boca aberta.

Não consigo me segurar e gargalho alto. Park se vira imediatamente, o sorriso já no rosto ao me ver.

— Pensei que tinha desistido de mim.

— Eu? Nunca. — Levanto a apostila de matemática como um troféu, desafiando-o a questionar minha motivação.

O sorriso dele se alarga, mas percebo o cansaço em seus olhos. Ele joga a bola de lado e caminha até mim.

— Matemática? Sério? — Ele finge desânimo.

— Sério. Se você não mandar bem, o técnico vai te cortar. Nem adianta ser o melhor na quadra e repetir de ano.

Ele bufa, jogando os ombros para trás em uma tentativa exagerada de parecer derrotado.

— Tá bom, professora. Você venceu.


✶✶✶

A mesa de jantar na casa de Park sempre tem algo especial.
— Mia, querida! — Tia Yoo-na me chama com aquele sorriso caloroso que faz qualquer um se sentir em casa. — Fiz kimchi fresco ontem. Separei um vidro só para você.

— Obrigada, tia Yoo-na! A senhora é um anjo! — Minha voz é cheia de sinceridade. Não é exagero. Ela sempre me recebe com um sorriso verdadeiro.

— Sou mesmo — responde, rindo e entregando o vidro de kimchi com cuidado, como se fosse uma joia preciosa.

Park revira os olhos de forma exagerada.

— Ela tem mais privilégios aqui do que eu.

— Porque ela merece — tia Yoo-na responde, apontando para Baek com o pegador de salada.

Eu rio, mas sei que Park odeia perder, especialmente quando se trata de sua mãe. Ele pode ser bom no basquete, mas não é tão bom em esconder seu lado mimado.

Depois de jantarmos, subimos para o quarto dele. A atmosfera ali é diferente. Ele joga a mochila na cama e se joga junto. Eu, por outro lado, sento no chão e começo a abrir a apostila de matemática, organizando os exercícios enquanto me preparo para a sessão de "tutoria".

— Vamos começar com frações — digo, ajustando os óculos, tentando esconder o sorriso que surge ao ver a expressão de desgosto no rosto de Park.

— Não podemos começar pelo fim?

— Ou podemos começar você sendo expulso do time, se quiser.

Park bufa, como se estivesse prestes a protestar, mas logo se levanta com a postura de quem sabe que não tem escolha.

— Tá bom, professora. Vamos lá.

Duas horas depois de uma verdadeira maratona de frações e números decimais, ele está deitado no chão ao meu lado, exausto, mas não derrotado. O seu olhar é de puro cansaço.

— Nunca mais quero ver uma fração na minha vida.

— Infelizmente, verá. Na prova. — Dou um sorriso satisfatório, mas sei que, por mais que reclame, a matemática tem algo de relaxante. No fundo, ele sabe que precisa disso.

Park grunhe, mas logo se levanta com um sorriso de quem está pronto para a melhor parte.

— Agora, a parte boa! — Ele vai até a gaveta e tira duas máscaras de gel coreanas. — Escolhe.

Eu pego a máscara azul e a coloco no rosto, sentindo o gel refrescante e a sensação de alívio que me toma.— Ah, isso é vida.

Park coloca a sua também e senta ao meu lado, com o controle remoto na mão, pronto para iniciar nossa maratona de série.

— Hora da série de terror. Preparada, covarde?

— Eu não sou covarde!

— Não? Você pulou até com a notificação do celular ontem.

— Ridículo.

Ele dá play. A luz azul da TV ilumina o quarto escuro, criando uma atmosfera tensa. Conforme a tensão aumenta, eu mal consigo respirar. A música cresce, e o personagem principal abre uma porta escura, a tensão quase palpável. Eu não consigo segurar e, no instante em que ele entra no quarto sombrio, grito e pulo, batendo no ombro de Park, desesperada.

— Hahahaha! — Park gargalha alto, e eu quase me assusto de novo. — Eu sabia! Sabia que você ia pular!

— Cala a boca! Não foi tão assustador.

— Claro que não. Só música tensa, silêncio e susto. Super tranquilo.

Ele ri, mas logo me olha com uma seriedade inesperada.

— Tá tudo bem?

— Sim, só... odeio sustos. — Tento não olhar muito para ele.

— Eu sei.

E então, sem mais nem menos, Park me puxa para encostar em seu ombro. O movimento é tão inesperado que meu coração acelera, e eu tento manter a calma. Mas, no fundo, tudo o que consigo pensar é que meu rosto deve estar corado. Graças a Deus estou de máscara.

— Relaxa, Mia. Eu te protejo.

O cheiro do seu perfume invade meus sentidos. A cena na TV perde toda a importância, e tudo o que consigo sentir agora é o peso do seu braço sobre os meus ombros, a sensação de segurança, algo tão familiar.

Outro barulho na série me faz pular de novo, mas Park me segura antes, me mantendo firme ao seu lado.

— Relaxa, noona. Eu tô aqui.

— Imagina se proteger de sustos valesse ponto na prova...

— Eu tiraria dez.

Eu reviro os olhos, mas, ao mesmo tempo, não consigo segurar o sorriso.

— Você já se acha demais, Park.

— E não estou errado.

Eu fico ali, encarando a TV, mas sentindo o peso de seu braço me protegendo.

✶✶✶

Meu trauma com os sustos começou quando todos tinham combinado de assistir O Massacre da Serra Elétrica assim que terminamos o trabalho escolar, mas, sem cerimônia alguma, me tiraram da lista.

Isso aconteceu porque, em um momento de fraqueza, eu confessei à Lara que não gostava de levar sustos. E, como uma verdadeira matraca, ela fez questão de abrir a boca para contar isso para todo mundo.

Quando me pediram para voltar para casa, a justificativa veio cheia de indiferença: ninguém queria interromper o filme ou acender as luzes por "frescurinha" minha. Aquilo doeu mais do que eu esperava. Estava animada para essa noite, porque seria a primeira vez que Lara e eu seríamos incluídas em algo com a galera mais popular da escola.

Para Lara, no entanto, era uma oportunidade de ouro. Ela gostava do Enzo há meses e nem sequer pensou duas vezes antes de me deixar para trás. Acho que, na cabeça dela, o escurinho da sala era o cenário perfeito para tentar o primeiro beijo com o garoto de seus sonhos.

Eu não pude deixar de ficar boquiaberta com sua determinação. Tínhamos acabado de completar quatorze anos, e Lara estava convencida de que éramos as únicas BV (boca virgem) da turma. Para ela, parecia uma corrida para deixar essa fase para trás. Para mim... Bem, eu não me importava tanto com isso.

— Espera, Mia! — A voz de Park soou atrás de mim enquanto eu caminhava para longe. Ele veio correndo e segurou meu cotovelo, me fazendo recuar alguns passos. Seus olhos estavam semicerrados, carregando aquela intensidade que só ele sabia ter. — Você pensa que vai aonde?

— Para casa — respondi, tentando soar casual, mas falhando miseravelmente.

— Por quê?

— Porque mandaram — dei de ombros, tentando parecer indiferente, mas senti sua expressão endurecer.

— Desde quando aqueles babacas mandam em você? — Ele me encarou, sua voz carregada de irritação.

— Por que está bravo comigo? — perguntei, confusa.

Park ignorou minha pergunta e estendeu a mão.

— Vem.

Balancei a cabeça e dei um passo para trás, puxando meu braço para longe dele.

— Não vou ficar em um lugar onde vou me sentir estranha.

Ele parou e me observou com olhos arregalados. Depois, soltou um suspiro e colocou as mãos na cintura, como se tentasse conter a frustração. Seu olhar se voltou para a casa do Enzo, que estava logo atrás de nós.

— Você está indo embora porque eles te fizeram achar que é estranha por não gostar de um filme tosco daqueles?

Assenti, sem vontade de explicar mais nada. Park ficou em silêncio por um instante, como se estivesse processando o que eu havia dito.
— Então espera aqui!

— Park, o que vai fazer? — questionei alto, mas ele já corria em direção à casa.

— Só me obedece, Mia! — gritou por cima do ombro.

Fiquei parada, sem saber o que fazer. Minutos depois, Park saiu da casa, caminhando tranquilamente com sua mochila nas costas. Enzo apareceu na porta, gritando algo como "Volta aqui, cara!", e duas meninas murmuraram entre si, visivelmente desapontadas.

Park apenas acenou de leve, como se nada disso importasse, e colocou o braço sobre os meus ombros.

— Vamos.

— Para onde? — perguntei, perplexa com o fato de ele ter trocado toda a bajulação da galera para me acompanhar.

— Para minha casa. Vamos assistir uma série. Vou te ensinar a gostar de ver de tudo. Assim, ninguém mais vai te encher o saco.

— E se eu não gostar?

— Você não precisava gostar, Mia. — Ele parou e me olhou com firmeza, como se estivesse me ensinando algo muito importante. — Você só precisava aprender a demonstrar que não se importava. E nunca mais deixar alguém te dizer o que devia ou não fazer. Ninguém manda em você. Certo?

— Certo — respondi, sentindo uma faísca de confiança crescer dentro de mim.

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora