2-Noona bufona

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Mia
O sino da porta toca, e eu já sei quem é antes mesmo de levantar os olhos do balcão. Reconheceria esses passos preguiçosos em qualquer ambiente. A música do BTS toca ao fundo, a única banda coreana que consigo ouvir sem reclamar. Como a loja vende produtos coreanos, a tia Yoo-na insiste em manter tudo o mais temático possível, desde as playlists até os uniformes. Ela só não nos obrigou a puxar os olhos, mas, do resto, quase tudo está ali.
Amo a mãe de Park, de verdade. Ela é como uma segunda mãe para mim, mais próxima do que minhas tias de sangue. Mas quando se trata da sua loja de k-beauty, tia Yoo-na ultrapassa todos os limites. Pelo visto, funciona, porque os clientes adoram.
— Boa tarde, noona. — A voz de Park soa descontraída, carregada com aquele tom de quem não tem pressa.
Solto um suspiro, sem tirar os olhos do caderno aberto à minha frente. Estou tentando terminar os exercícios de matemática antes do meu turno acabar, mas é óbvio que ele não vai facilitar.
— Boa tarde, rei da quadra. O que você quer dessa vez? Outra máscara em gel ou veio só atrapalhar minha concentração?
Ri, apoiando os cotovelos no balcão e inclinando a cabeça para me fazer olhar para ele.
— Um pouco dos dois. Mas principalmente atrapalhar. É minha especialidade, lembra?
— Como esquecer? — murmuro, finalmente levantando o olhar.

E lá está ele. O uniforme de treino ainda meio amarrotado, os cabelos úmidos da última ducha, a mochila pendurada em um ombro. Park tem aquele jeito casual de quem sabe que chama atenção, sem precisar se esforçar para isso.

— O que você quer, Park? Estou ocupada.

Ele finge olhar ao redor, inspecionando as prateleiras cheias de produtos importados.

— Minha mãe disse que eu precisava passar aqui para pegar algumas máscaras de hidratação. E... — Faço uma careta, já adivinhando o que vem a seguir. Arqueio uma sobrancelha enquanto ele faz sua pausa dramática. — Preciso de ajuda com matemática.

Solto uma risada curta.

— Você? Pedindo ajuda com matemática? Não era você que sempre dizia que números eram "simples demais" pra sua mente brilhante?

— É, mas agora não são tão simples assim. — Ele dá de ombros, sem perder o sorriso. — Tirei vermelho na última prova, e, se eu não mandar bem nessa, o técnico vai cortar meus treinos por uma semana. Não posso arriscar.

— Deveria se preocupar em reprovar, não só com o basquete.

— Mas eu me preocupo! Só me ajuda, noona.

Cruzando os braços, estreito os olhos para ele.

— E por que eu ajudaria você?

— Porque você é um gênio em matemática. E porque eu sou muito simpático. — Ele inclina a cabeça, exibindo aquele rosto inclinado entre as mãos que desarma qualquer um.

— Não vejo benefício pra mim nisso, Park.

Ele finge ponderar, olhando para o teto como se estivesse calculando algo.

— E se eu te chamar para jantar lá em casa depois? Minha mãe está fazendo bulgogi hoje.

Arqueio uma sobrancelha, tentando não parecer interessada.

— Bulgogi, é?

— Bulgogi. E kimchi. E ela ainda disse que vai fazer aquele pão doce coreano que você adora.

Mordo o lábio, fingindo considerar. Park sabe exatamente como me convencer, e isso me irrita tanto quanto me diverte.

— Tá bom. Mas só porque eu adoro a comida da sua mãe.

— E porque você adora passar tempo comigo. — Ele pisca, jogando a mochila no outro ombro antes de pegar algumas máscaras de uma prateleira próxima.

— Nem tanto assim.

— Claro, claro. Vejo você às sete, bufona.

Com isso, ele sai da loja, deixando para trás o cheiro do sabonete cítrico que sempre usa e, claro, olhares das clientes e da outra atendente.

Ainda sorrindo, balanço a cabeça e volto para os exercícios. As provocações de Park podem ser constantes, mas nunca passam dos limites. São o tipo de coisa que só amigos de verdade conseguem fazer: irritar na medida certa para arrancar um sorriso escondido.
✶✶✶

Todos temos uma lembrança antiga, daquelas que parecem saídas de um sonho distante.

A minha mais antiga é com ele. Tínhamos apenas quatro anos quando Park me chamou para irmos ao banheiro do quarto dos pais dele porque tinha algo "muito legal" para me mostrar. Naquela época, eu era alguns milímetros mais alta que ele, e Park jurava que isso acontecia porque minha mãe amarrava meu cabelo no alto da cabeça. Pensando bem, ele tinha razão.

Com sua mente cheia de ideias, Park puxou um banquinho que a tia Yoo-na usava em frente à penteadeira. Empolgada, ajudei a carregar o banco até a pia do banheiro. Lá no alto, havia um armário espelhado. Ele me contou, com toda seriedade, que dentro daquele armário estava o segredo da beleza da sua mãe.

Park subiu no banco com determinação. Antes de abrir a prateleira, virou para mim e ordenou:

— Tranca a porta, noona. Assim ninguém vai nos ver.

Obedeci prontamente, trancando a porta com tanto entusiasmo que acabei quebrando a chave na fechadura. Não me preocupei; achei que tinha sido até útil.

Dentro do armário, encontramos vários vidrinhos e sachês. Park separou alguns para mim e outros para ele, e, no meio da bagunça, encontramos máscaras faciais.

— Isso aqui é o segredo da eomma! — Ele abriu o pacote com cuidado e me entregou uma máscara. — Quer ser linda igual sua boneca?

Balancei a cabeça, engolindo a dúvida. Ele ajeitou a máscara no meu rosto com cuidado e fez o mesmo com ele.

— Tá certo isso? — perguntei, inquieta.

— Claro! Confia em mim.

O tempo parecia não passar, e a máscara começou a coçar. Foi quando ouvimos batidas na porta.

— Crianças, abram a porta! — O tom do senhor Baek estava sério.

Apavorada, comecei a chorar. Park me abraçou firme, tentando me acalmar.

— Não chora, noona. Eu te protejo.

Ele tentou mexer na fechadura, mas percebeu que a chave estava quebrada.

— Appa, a chave quebrou! — avisou, sem hesitar.

O senhor Baek instruiu com calma:

— Aigoo! Vou precisar arrombar a porta. Saiam de trás da porta.

Park não hesitou. Nos puxou para dentro da banheira, envolveu-me com uma toalha, cobriu nossas cabeças e me segurou enquanto o barulho dos pontapés ecoava.

Naquele dia, percebi que sempre poderia contar com ele. Mesmo que fosse o culpado pelo castigo de um mês e pelo fato de ninguém mais ter chave nos quartos depois disso.

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora