1 - O Rei da Quadra

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Mia
A cada 21 segundos, nasce um bebê no Brasil — o que dá 5,6 bebês por minuto e 321 por hora. No mundo, a conta é ainda mais absurda: mais de quatro nascimentos por segundo, ou 267 a cada minuto.
Um desses bebês foi Park Baek, filho de Kim Baek e Yoo-na Baek. O Sr. Baek é coreano e veio ao Brasil transferido de Seul, enquanto Yoo-na, filha de imigrantes coreanos, nasceu aqui. Apesar de ter crescido no Brasil, nunca deixou de viver sob as tradições coreanas, mesmo amando tudo o que o país tinha a oferecer.
Minha mãe conheceu Yoo-na na faculdade, onde dividiram o dormitório enquanto cursavam. Não demorou para se tornarem amigas. Uniram-se pelos estudos, pela comida, pelas risadas e festas e, eventualmente, por seus planos de futuro.
Depois de se casarem com poucos meses de diferença, veio a ideia maluca de engravidarem ao mesmo tempo. Assim, seus filhos nasceriam quase juntos e seriam melhores amigos. Park Baek e Amélia Linhares — ou Mia, como todo mundo me chama — chegaram ao mundo com apenas 18 horas de diferença. Minha mãe adorava repetir isso para quem quisesse ouvir:
— Eles nasceram praticamente juntos. O Park veio antes. Ele vai cuidar da Amelia pra sempre.
E, por um tempo, foi exatamente assim. Park me ajudava a descer do escorregador, puxava minha mão quando eu tinha medo do escuro e até dividia o lanche quando eu esquecia o meu. Só que, em algum momento, ele percebeu que era mais divertido me provocar.
Hoje, aos 16 anos, Park Baek não é "só o Baek". Ele é o centro das atenções por onde passa.
A gritaria atrás de mim começa antes mesmo de ele entrar na quadra:
— Vai, Baek! Ai, meu Deus, olha o cabelo dele balançando!
Fecho os olhos por um segundo, tentando ignorar. É surreal como todo mundo acha esse comportamento normal. Não importa o tempo que passe, eu nunca vou me acostumar.
O som da bola quicando ecoa pela quadra como uma batida repetitiva, quase hipnotizante. Os jogadores correm de um lado para o outro, mas, para as garotas aqui, só uma pessoa importa: Park Baek. Oppa — como gostam de chama-lo.
— O oppa tá lindo demais hoje, você viu? — sussurra uma garota, e a amiga suspira, derretida.
— Como ele consegue jogar sem nem parecer suado? Queria tanto sentir o perfume dele...
De fato, Park parece ter saído de um dorama adolescente. O uniforme azul e branco encaixa perfeitamente, destacando os ombros largos e as pernas ágeis. Ele corre pela quadra com movimentos precisos, os cabelos castanhos caindo de forma estratégica na testa. Mesmo com as pontas úmidas de suor, o cabelo continua no estilo impecável que ele insiste em manter.
E, então, acontece algo incrível.
Park dribla o jogador mais alto do time adversário com a leveza de quem dança. Inclina o corpo para a direita, faz um giro rápido e, antes que alguém consiga reagir, arremessa. O mundo parece desacelerar. A bola flutua no ar, girando em câmera lenta até atravessar o aro com precisão impecável.
O ginásio explode em gritos:
— Cestaaaaaa!
Park pousa como se estivesse no palco de um espetáculo. Ele se vira para a arquibancada, o olhar varrendo o público até me encontrar.
Meu coração acelera.
— Não faz isso, Park... — murmuro, me encolhendo. Tento me esconder atrás de uma garota, mas é tarde demais.
Ele me encontra. É claro que ele me encontra.
O sorriso torto que surge em seu rosto é um aviso. Lento, junta os polegares e os indicadores, formando um coração no ar.
As meninas ao meu redor entram em colapso.
— Foi pra mim! Tenho certeza! — grita uma, segurando o braço da amiga como se fosse desmaiar.
— Nem foi, garota! Ele olhou direto pra mim! — retruca outra, quase iniciando uma guerra.
Enquanto isso, afundo no meu moletom, tentando ser invisível. Sinto as orelhas queimando, e o estômago dá voltas como se estivesse em uma montanha-russa.
— Idiota... — murmuro, torcendo para que ele leia meus lábios.
Park percebe, é claro. Seu sorriso se alarga, os olhos brilhando com uma provocação que só ele sabe fazer. Antes de voltar para o jogo, ele pisca, como se dissesse: "Missão cumprida."
As garotas continuam gritando, e eu ouço uma pergunta no ar:
— Será que ele gosta de alguém?
Não respondo. Nem olho para elas. Mas a verdade? Eu sei a resposta.
Park não gosta de ninguém. Ele gosta de provocar. Ele gosta de me provocar. Não sei se isso conta como "gostar de alguém". Na verdade, acho que seria mais "desgostar".
Park Baek ama desgostar de mim.
Isso me lembra nosso aniversário de treze anos.
✶✶✶

A festa de Park estava animada. Eu era a única garota ali. Olhei para o meu relógio de pulso: faltavam dez minutos para a meia-noite, o que significava que, em breve, ele deixaria de ser mais velho do que eu. Na verdade, Park Baek era apenas dezoito horas mais velho. Se ele tivesse nascido de manhã e eu à tarde, faríamos aniversário no mesmo dia. Mas ele nasceu ao meio-dia em ponto, enquanto eu só apareci às sete da manhã do dia seguinte. Até para nascer, eu me deu mal.

Levantei para pegar meu milésimo copo de refrigerante e aproveitei para comer um pedaço de bolo de arroz — um doce que eu adorava. Mas, ao olhar para a mesa e ver o quanto ainda tinha sobrado, percebi que só eu e os pais de Park realmente aprovávamos a iguaria.
Voltei para a sala, onde o videogame estava instalado. Os meninos jogavam FIFA, disputando um campeonato no qual quem perdia cedia o lugar para outro enfrentar Park, que, além de ser ótimo no jogo, era o aniversariante.
— Posso tentar uma vez? — pedi pela quarta vez.
Eles fingiram que não me ouviram.
Bufei, frustrada, e me sentei no chão.
O jogo estava equilibrado pela primeira vez. Os cinco garotos estavam eufóricos com a possibilidade de alguém ganhar de Park, mas, quando faltavam apenas dois minutos para acabar, ele desligou a partida.
— Ahhh, que isso, mano? — Enzo reclamou, jogando o controle no sofá. — Não sabe perder?
Park não se abalou. Pegou os dois controles com uma mão e se levantou, indo até a cozinha.
Os garotos começaram a reclamar, e eu fiquei no meu canto, curiosa, mas sem coragem de me meter.
Logo, Park voltou com uma tigela fumegante nas mãos. Ele a colocou na mesa de centro e estendeu a mão para mim. Obedeci, indo até o lugar onde, até aquele momento, só ele estava sentado.

— Esse é o meu controle novo. Só eu posso usar — disse, entregando-me o controle. — Pedi aos meus pais aquele jogo que você adora, o de blocos de construção.

— Minecraft? — perguntei, incrédula.

— Isso mesmo! Vai entrar na sua conta. — Ele ignorou os murmúrios descontentes dos meninos. — Quietos vocês! — pegou meu braço e olhou as horas. — Já é meia-noite. A partir de agora, a Mia é a dona da festa, do controle e de tudo. Ela escolhe o que vamos jogar e quem vai jogar. — Em seguida, ergueu a tigela. — Mas, primeiro, você tem que tomar a sopa de algas.

— Eu não sou coreana, não preciso tomar isso.

Park ignorou meu protesto, pegou o controle da minha mão e colocou no meu perfil para iniciar o jogo. Eu sabia que ele tinha comprado aquilo só para me agradar, já que meu pai estava desempregado e não podia comprar um videogame para mim. Eu sempre vinha jogar depois dos estudos, mas odiava qualquer jogo de esportes, o que limitava muito as opções de Park.

Dei algumas colheradas na miyeok-guk, a sopa de algas tradicionalmente servida nos aniversários coreanos. Ali, as tradições eram levadas a sério.

Assim que terminei, a tia Yoo-na apareceu com um bolo, e meus pais vieram logo atrás, cantando parabéns. O bolo era rosa e azul, e meu pai trazia balões da mesma cor, flutuando com meu nome gravado. Os meninos cantaram junto, e minha mãe carregava uma travessa de brigadeiros. Foi assim que, um aniversário coreano se transformou em um brasileiro.

Fiquei paralisada, com lágrimas nos olhos. Meus pais haviam prometido que, assim que nossa situação melhorasse, me levariam para jantar fora para compensar o fato de eu passar aquela data em branco. Mas não passou em branco.

— Aqui está nosso presente, filha — minha mãe disse, entregando-me um envelope. — Não é muito, mas, se você juntar com sua mesada, pode comprar sua vitrola.

Eu tinha o sonho de ter uma vitrola antiga. Meu avô paterno tinha alguns LPs, e, quando íamos à casa dele, eu adorava vê-lo limpando e cuidando de seus preciosos discos. Ele dizia que era incrível ver um som sair de uma agulha. Quando ele faleceu, herdei seus discos, mas a vitrola quebrou, e minha avó acabou jogando fora.

— Eu também tenho um presente para você. — Park alcançou algo atrás do sofá e pegou um embrulho fino e quadrado. Meu coração disparou.

Rasguei o papel de qualquer jeito, e a primeira coisa que vi foi parte do rosto da Amy Winehouse.

— Não acredito! — comecei a pular de alegria, enquanto todos riam. — Como você conseguiu isso?

Ele deu de ombros.

— Internet.

Abracei a tia Yoo-na, já sabendo que ela devia ter ajudado.

— Ah, não posso levar o crédito, querida. O Park comprou com a mesada dele. Eu só efetuei a compra.

Olhei para Park, que parecia sem graça.

— Obrigada! — disse, abrindo os braços para ele.

Park se aproximou, e, mesmo sendo muito maior do que eu, seu abraço parecia feito sob medida. Ele deu leves tapinhas nas minhas costas enquanto murmurava:

— Feliz aniversário, Mia.

Kimchi com Feijoada: Um romance com sabor de Dorama.Onde histórias criam vida. Descubra agora