✨ Capítulo 1 ✨

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Tive amantes, tive corpos quentes em minha cama. Alguns duraram uma década, outros uma noite.
Mas todos eles, por mais belos, intensos ou devotados que fossem... Foram esquecíveis.

Hoje, com meus novecentos anos bem vividos, recuso dividir meus lençóis com presenças ocas.
O vazio não me apetece mais. Prefiro o silêncio ao toque morno da superficialidade.

Meus pais, os últimos que amei com uma afeição verdadeira, já partiram, eles escolheram o fim com uma dignidade que poucos seres compreendem.
Encerraram seu ciclo lado a lado, em um túmulo escavado pela própria vontade, almas gêmeas, unidas até mesmo na morte. Na época, fui tomado por uma saudade cruel, mas hoje, compreendo.
A eternidade, sem amor, é uma prisão dourada.
E aqueles dois se amaram por mais de dois mil anos. Um feito que nenhum poema ousaria narrar.
Eles me deixaram um legado que jamais alcancei:
O de pertencer, verdadeiramente, a alguém.

Nós, vampiros, amamos de forma diferente.
Para nós, não existe meio sentimento.
Amamos com a alma, com o corpo, com cada pensamento, amamos de maneira total.
Intensa. Devastadora.

E quando perdemos esse amor, essa metade da nossa existência, Nosso mundo não silencia. Ele grita. E grita até a loucura nos engolir.

Talvez por isso, poucos de nós se arriscam a amar fora da espécie. Porque amar alguém que envelhece... Alguém que morre... É aceitar a tortura de uma saudade que jamais se acalma.

Muitos já tiraram a própria vida por isso.
A história está repleta de nomes que jamais serão ditos em voz alta, vampiros que escolheram a morte para fugir da dor de existir sem aquele que amavam.

E eu? Eu, que vivi tanto, que desejei tão pouco e provei de tudo? Eu apenas observo. Observo o pôr do sol e me pergunto se um dia... Ele virá, aquele cuja alma gritará na mesma frequência que a minha, aquele cujo olhar incendiará os séculos de solidão em meu peito. Aquele que me fará sentir... vivo.

E talvez, nesse dia, eu inveje menos o sol. Talvez, por um instante, eu me aqueça por dentro.
Mesmo sendo feito de trevas.

Amar... A palavra em si carrega um peso que poucos compreendem. Já me apaixonei centenas de vezes, por belezas efêmeras, sorrisos viciantes, olhares que me prometeram tempestades. Mas o amor... o amor verdadeiro nunca se alojou em mim. Sou uma fortaleza onde muitos já acamparam, mas que ninguém jamais conquistou. Meu corpo foi oferecido, desejado, explorado, mas meu coração? Esse permaneceu intocado, como um relicário selado por chaves que nem eu mesmo mais sei onde estão.

Por isso, nunca temi a loucura que dizem acometer os de minha espécie. Aqueles que se apaixonam por mortais e vivem o tormento de vê-los partir, consumidos pela idade, pelas guerras, pelas doenças... pela fragilidade do tempo. Essa dor nunca me alcançou, pois nunca me permiti sentir tão profundamente. Nunca dei a ninguém o poder de me destruir.

Mas, é claro, isso não significa que estou só.
Tenho a “companhia” constante do meu irmão,  Eldorian. Ah, Eldorian... Ele é tudo o que eu não sou: espalhafatoso, impulsivo, debochado. Nosso amor fraternal é uma dança constante entre o afeto e a repulsa. Vivemos às turras, e talvez por isso nos mantenhamos unidos. Há uma química entre irmãos que desafia qualquer lógica, nos destruímos com palavras afiadas e, ainda assim, mataríamos o mundo um pelo outro.

Às vezes, observo Lúthien e vejo Eldorian nele.
Isso me inquieta. Não pela semelhança em si, mas pelo reflexo daquilo que não desejei perpetuar.
Lúthien é meu filho, não de sangue, mas de escolha.
Transformá-lo foi um risco, uma escolha envolta em hesitação. Pensei que ele não sobreviveria à transição, muitos não sobrevivem. Mas ele...
Ele floresceu.

✨ A Cura Dourada ✨Where stories live. Discover now