CONTO 5
Ela estava tentando a todo custo não dormir.
No entanto, parecia impossível. Se atentou ao som da água caindo no banheiro, na luz amarelada do abajur perto do seu rosto, na lista de planos semanais sobre a cabeceira da cama, e principalmente na bebê de 10 meses dormindo no quarto do outro lado do corredor, onde ela podia monitorar pela babá eletrônica ao lado de sua cama. Mas sentia as pálpebras tão pesadas que os olhos ardiam.
Estava cochilando quando a porta do banheiro abriu, e imediatamente arregalou os olhos para despertar. Fez o melhor que pôde para disfarçar o sono e ofereceu um sorriso singelo ao marido, que saiu do banho enrolado somente por uma toalha na cintura. Ele secou o cabelo com outra, deixou-a de lado. Caminhou até a cama onde estava sua esposa debaixo dos lençois e retirou a toalha do quadril, subindo no colchão.
Contudo, foi como esperado: antes de abrir as pernas, Margot apagou a luz do abajur e deixou o quarto em completo breu, às cegas.
Ele apenas suspirou, já havia se acostumado com isso.
O sexo foi como o de sempre, e o de sempre ultimamente significava “normal”, já que “rotineiro” e “monótono” ainda eram palavras tabus. Ele ainda era tolo e ousado em tentar causar algum interesse nela, acender a chama apagada, fazer com que se sentisse bem, mas foi mesmo como o de sempre. “Não precisa” “Assim já está bom” “Estou com sono, então pode terminar”... Ao fim, antes mesmo que ele realmente terminasse, ela já estava dormindo. Não que em algum momento ela realmente tivesse estado presente, a verdade era que não parecia mais do que um corpo para ele usar.
Mas diferente das outras vezes, aquela foi um pouco mais dolorosa. Antes, ela ao menos conseguia mentir, até tentava ser boa nisso.
Naquela noite, ela sequer tentou fingir alguma coisa.
Observando a esposa dormir profundamente, de costas para ele, Vincent só conseguia pensar em uma única coisa naquelas horas em claro:
O que havia de errado com seu casamento?(...)
A manhã começou numa correria.
— Não esqueça de cortar o abacate em cubos! E esconda os controles da TV e carregadores no alto! Não a deixe chegar nem perto da academia! Ah! E também… Pegue aquelas meias dentro daquela bolsa debaixo do sofá e coloque na lavanderia, foi ela quem inventou de pegar tudo no chão e enfiar na bolsinha, e as meias estão sujas. Esqueci que ela havia escondido debaixo do sofá enquanto brincava no tapete ontem a noite com o Heiko, senti o cheiro só de passar perto.
Vincent levou a pequena Hazel até a porta para se despedirem juntos de Margot, mas a mulher nunca se sentia confiante em somente… Ir, e deixar tudo com ele. Farto disso, revirou os olhos.
— Fique tranquila, não tem com o que se preocupar. Vou buscar o Heiko mais tarde e passear no parque com os dois. Ligo se precisar.Margot se aproximou para limpar o canto da boca babada da loirinha no colo do pai, a pequena fez uma série de barulhos em seu idioma infantil para se comunicar com a mãe. Margot beijou sua bochecha mais uma vez, então falou para Vincent:
— Não a leve desajeitada. Coloque uma boa roupa, por favor. E não esqueça de colocar meias nas mãos e pés.— Está calor, linda.
— Não importa, o tempo pode mudar de repente. Trate de pegar um guarda-chuva também! — Mais uma vez, beijou e cheirou a bebê, brincando com ela. — A mamãe volta antes do anoitecer, okay, gatinha? Comporte-se e fique de olho no seu pai!
Ela saiu andando apressada, parou somente porque Vincent pigarreou. Então voltou, fazendo menção de beijá-lo para despedir-se corretamente. Teria sucedido se a pequena Hazel não tivesse colocado a mão sobre a boca do pai imediatamente, balbuciando sons raivosos para sua mãe. O casal se entreolhou, e a risada que compartilharam poderia ser considerada um momento raro entre os dois nos últimos tempos.

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O Mar & A Rocha (MI).
Short StoryNesta curta trama procedente da história "Missão Impossível", a vida pós-final da Grande Guerra na nova realidade dos personagens é narrada sob uma perspectiva autêntica e realista em seu modo mais humano, escrita em pequenos contos que relatam as m...