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Silêncio. Tio Rob costumava dizer que não existia um silêncio absoluto. Sempre haveria o coaxar de um sapo, o som de um pedaço de giz riscando um quadro negro ou o suspiro melancólico de uma jovem apaixonada. Ele também me disse que a audição era a última coisa que perdíamos na hora da morte.

Nunca soube o que era silêncio, nem o meio silêncio que todas as outras pessoas podiam ouvir. Não desde quando pulei de cima da ponte do Lago Greene com uma mochila cheia de pedras três anos atrás.

Havia espíritos dentro do lago e eles sabiam meu nome e quem eu realmente era. Às vezes, no início da manhã, quando as ruas de Golden Field se enchiam novamente de vida e os raios ainda não tão quentes do Sol começavam a atravessar as cortinas da janela do meu quarto, eu os ouvia.

Eram 3 vozes sussurrando às 6:15 da manhã, 5 às 6:23 e mais de 7 às 6:29. Quando o rádio relógio que ficava sobre o criado mudo ao lado da minha cama marcava 6:31, não era mais possível suporta seus ruídos. De dentes trincados e ainda de pijamas saía do meu quarto e me arrastava por toda a casa até o banheiro no fim do segundo andar.

Mesmo que fossem muitos e nada do que diziam parecia fazer qualquer sentido sabia que aqueles espíritos queriam que eu voltasse para água. A verdade era que uma vez no fundo do Lago Greene escapar totalmente dele não era exatamente uma opção. Embora estivesse longe do lago, setenta porcento do meu corpo era água e setenta porcento de mim seria eternamente Greene.

Todas as vezes que ouvia suas vozes ribombarem em minha mente enchia a banheira do segundo andar e mergulhava novamente em minha melancolia. As vozes não se calavam, mas os espíritos se tornavam mais calmos. Não conseguia respirar, porém a calmaria era tentadora demais para que eu a deixasse escapar entre meus dedos. Permanecia ali o quanto meus pulmões pudessem aguentar ou como naquele dia, até que duas mãos me puxassem para fora d'água.

—Evan, você está bem?! – indagou Ethel Lee, minha mãe, ao me agarrar pelos ombros e me por sentada dentro da banheira em um movimento brusco que espalhou água por todo o piso do banheiro.

Ela havia posto naquela manhã um dos seus melhores vestidos floridos e arrumado o cabelo em um coque mais que perfeito onde nenhum fio de cabelo ousaria se rebelar, porém toda aquela preocupação em seus olhos esverdeados os quais eu não havia herdado, estragava a imagem da típica e boa mãe americana. Uma filha adolescente e extremamente problemática às vezes podia fazer.

—Eu pensei...pensei que você estava...

—Tem algo queimando na cozinha! – eu disse repentinamente e ainda um pouco sem fôlego. Nua dentro de uma banheira cheia até as beiradas de água fria e tendo o olhar questionador de minha mãe sobre mim aquilo foi a única coisa que pude dizer naquela hora.

Nos primeiros segundos ela pareceu desconcertada como se a afirmativa na verdade fosse um gancho de direto do Muhammad Ali. O Dr. Daley, meu psiquiatra, costumava dizer que aquela era uma das minhas mais extraordinárias e irritantes habilidades. Conseguir desnortear qualquer um com uma pergunta ou frase terrivelmente fora do contexto quando queria que um assunto fosse evitado.

—Deve ser as torradas. Bem, isso não importa. O pão não parecia muito bom mesmo. Sabe como são esses produtos industrializados. – declarou minha mãe tirando suas mãos de meus ombros e as secando no avental que usava sobre o vestido. Um sorriso amarelo surgiu em seus lábios quando disse aquilo. Um sorriso forçado que tenho certeza que ela queria que transmitisse um "está tudo bem", apesar de quem precisasse ser tranquilizada fosse muito mais ela do que eu.

—Você tem uma sessão de terapia coletiva agora de manhã com Dr. Daley. – disse ela após se por de pé, mudando de assunto tão radicalmente quanto eu.

A Garota Afogada do Lago GreeneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora