Capítulo 3 - Entra o Chefe.

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Tão logo adentrava as masmorras, a pouca simpatia do Dragão se acabava. Os corredores amplos, para Kamal, eram apertados e com cheiro de ferro líquido. Rostos dos mortos por suas mãos se insinuavam em manchas de infiltrações, e o som dos geradores de ar carregava maldições contra sua existência. A idade se insinuava nas marcas de seu rosto, no grisalho que tentava esconder nos bigodes, mas ele ainda era um homem alto de ombros largos, tronco com a grossura de um carvalho ancião, cada músculo se estirando como molas no menor dos movimentos. Logo, quando fechava o rosto, espantava qualquer forma de vida para longe de seu caminho. Assim, sua ida ao banho não teve interrupções, só ele e seus fantasmas seguiram até o vestiário; os outros lutadores que ocupavam o lugar se atrapalharam com seus "bom dia, mestre senhor dragão senhor" e abriram um raio de três chuveiros de distância para lhe dar privacidade. O que era ótimo, o som da água encanada lhe deixava calmo. Kamal gostava de fechar os olhos e sentir as gotas geladas escorrerem pela cabeça raspada, refrescando a penugem que insistia em crescer. Se não tivesse autocontrole, perderia todas as horas do dia naquela pose, encarando os furinhos do disco por onde a massagem vertia, até toda a água do mundo se acabar ou...

—Senhor Kamal?

...alguém lhe interromper. Quem miava desta vez era um zelador que, diante da encarada do veterano, deu um passo para trás por instinto.

—Perdão! Tem alguém lá fora lhe esperando.

—Ah, tudo bem. — Respondeu com preguiça na voz, se espreguiçando uma última vez antes de fechar o chuveiro. E o zelador continuava ali, paralisado. — Curtindo a visão, meu filho?

O sujeito desapareceu. Se fosse tão rápido para se esquivar assim numa luta, ele teria potencial. O Dragão balançou a cabeça e caçou uma toalha, sabendo que encontraria Titã encostado na parede de frente para o acesso ao vestiário. Havia perdido a hora mais uma vez, e por isso ouviria reclamações, incluindo o embaraço de chamar um funcionário das Rinhas para lhe tirar de seu torpor. Então, ele cobriria a envergadura do marido com um só braço e lhe apertaria, fazendo a mesma piada sobre precisar de outro banho devido ao suor pós-treino dele. E Titã diria "isso aqui é água, deu tempo de eu tomar dez banhos enquanto você fazia sua cútis", ou um equivalente menos educado. E Kamal lhe atiraria a trouxa com a túnica suja pra lavanderia, só para testar seus reflexos.

Desta vez, ele errou a previsão: não era a figura loira que dividia a casa consigo, mas um dos leões-de-chácara do Chefe quem lhe aguardava. Aquele ali era o... Kamal não era de guardar nomes, e até Titã, que guardava título, medidas, estilo de luta (caso existente) e número da casa na Vila, tinha muita dificuldade em diferenciar os seguranças do lugar, e era obrigado a concordar com o parceiro quando ele dizia que "guarda-costas era tudo igual". Pareciam saídos do mesmo molde, todos sem cabelos, pele clara, cabeça de polegar, nariz chato, mais altos que o Dragão — o que os tornava mais próximos dos gigantes montanheses. Tipo físico difícil de discernir entre forte e gordo, metidos em robes pretos com a insígnia da família que governava as masmorras num tom prateado fosco. Todos eles seguiam a mesma linha de expressão zangada que, na opinião do Dragão, eram hilárias. O bigode pesado de umidade ocultou seu meio-riso ao se dirigir ao funcionário:

—Pois não?

Em resposta, o leão-de-chácara apontou o polegar para o lado e se virou, intimando-o a lhe seguir. Como a tática falhou, ele foi obrigado a se voltar para Kamal, bufando antes de responder:

—Bora, o Chefe disse pra eu te chamar.

—Tudo bem, estou "chamado". Vou lá assim que puder.

Kamal se despediu com um aceno, sem se importar com seja lá o que se passasse na mente do dono das masmorras. Depois de tudo que fizera por ele, o mínimo que esperava do senhor Ron de Vews era que ele se apresentasse na soleira de sua casa de joelhos e lhe agradecesse. O Dragão ficava em paz, colhendo os frutos de uma vida tranquila, enquanto o magnata curtia o espólio que ele havia ajudado a construir, pedindo um favor ou outro via intermediários, sem contato direto. Assim eram as coisas nas masmorras.

Dragão e TitãOnde histórias criam vida. Descubra agora