Da janela do meu quarto, acompanho a obra da piscina semi olímpica que eu solicitei. Pelo visto, Judy não estava brincando quando disse que ficaria pronta o mais rápido possível. Mas o papel de parede do quarto continua tenebroso. Talvez não tenham um profissional qualificado para o serviço dentro de um raio de 100 quilômetros e isso não me surpreenderia.
No fim da tarde de ontem, quando eu disse que havia esgotado as minhas habilidades sociais, eu não estava mentindo. Ainda mais que já tinha certeza de que teria que lidar com mais alguma surpresa desagradável do velhinho por não ter seguido as suas ordens.
Avisei para Judy que estava com dor de cabeça e precisava ir deitar, e por conta disso não participaria do jantar. Eu tinha me empanturrado mais do que deveria naquele maldito festival, pelo visto é algum tipo de tradição caipira oferecer comida em excesso para os outros.
A grande verdade é que eu simplesmente não queria mais ver ninguém. Posso admitir que a minha vida na cidade grande é relativamente solitária, mas eu nunca poderia me acostumar com a realidade desse lugar. Me sentia acabado, e ainda tenho a porra de um olho roxo que passou a tarde toda coberto por corretivo da Dior e óculos escuros.A solução que encontrei foi finalizar a noite vestido num roupão e passar o tempo encarando o teto ao lado de um poodle que se tornou meu melhor amigo. Ainda desejando desaparecer.
Felizmente acordei relativamente melhor.-Bom dia, Holden! dormiu bem? como foi o festival?-O vovô começa a questionar assim que chego a mesa de café da manhã. Não aguento mais ver tanta comida na minha frente, e nessa mesa tem o suficiente para alimentar todos os funcionários dessa parte da fazenda.-Não apareceu no jantar, então suponho que tenha sido um longo dia.
Forço um sorriso, seguindo até a cadeira do outro lado da mesa e me perguntando o que vai tirar de mim agora pelo que fiz ontem. E pra ser sincero, eu preferia um milhão de vezes que fosse direto ao ponto.
-Foi divertido.-Digo, de certa forma, não mentindo.-O pessoal aqui é bem receptivo.
-É bom que se sinta em casa...
-Com certeza.
Um pouco de silêncio. E por enquanto, nenhum direito meu foi tirado (ainda). Porém, a sensação de que vai dar merda não me deixa tão cedo.
-Precisarei fazer uma viagem perto do próximo fim de semana...
Assinto.
-Que tal deixar a Judy no comando?
-De jeito nenhum!-Sua reação meio que me espanta, como se eu tivesse dito um grande absurdo. Talvez para ele realmente seja.-Você tem um legado e um nome a seguir, Holden. Precisa aprender o mais rápido possível a ter responsabilidade. Não posso deixar que volte para a cidade grande sem ter noção nenhuma do que o futuro lhe reserva.
Esse assunto me deixa meio apreensivo. Eu gosto de ter dinheiro, mas não gosto de trabalhar. E muito menos de ficar sentado dando ordens em um monte de gente e sendo um chato que nem o vovô.
Não estou dizendo que não quero herdar isso tudo... só que está muito cedo pra pensar nisso pelos próximos... sei lá, vinte anos.-Doei o dinheiro pra o colégio da cidade.-Revelo de repente.
Respira fundo, mas não está surpreso.
-É... o seu pai teria feito exatamente a mesma coisa.
Tento saber se isso foi uma crítica negativa ou positiva. Talvez nenhuma das duas opções. Ele só quer criticar, independente do contexto.
*
-É sério? não tem um único psicólogo nessa cidade?! nenhum terapeuta?-Questiono, começando a ficar indignado.-Isso explica muita coisa...
O bar Meia Noite não é o meu lugar favorito, mas é relativamente mais divertido que a fazenda, acho que qualquer lugar é. Ainda são quatro da tarde e não tem nenhum bêbado chato ou qualquer barulho irritante por aqui, pelo menos isso.
-Você pode conversar comigo!-Lila se oferece, sentando-se em uma das cadeiras da mesa. Hoje não tem penteado esquisito, só um vestido que mais parece uma camisola.
-É bem capaz que eu fique pior... mas muito obrigado.
-Na verdade, não faria muita diferença. A julgar que você já sabe exatamente a solução do seu problema.-Ben, o irmão gêmeo nada parecido decide opinar. São as suas primeiras palavras desde que cheguei aqui. Esteve o tempo todo desenhando uma espécie de zepelim na mesa.
Ele não está errado.
-Por um instante, achei que eu podia voltar no tempo e impedir o touro que perfurou o pulmão do meu pai com o chifre de atacá-lo naquele rodeio em que ele morreu.-Dou de ombros, cruzando os braços.-Droga... ele tinha mesmo que morrer?!
-Mas isso é muito triste...-Comenta Lila.-Posso imaginar como você ficou.
-Eu nem o conheci direito.
-Ah...
Um minuto de silêncio. Penso, não conseguindo manter os meus pensamentos na cabeça por muito tempo.
-Eu não tenho mais uma carreira... não tenho mais seguidores... uma vida na cidade grande, e provavelmente não terei mais tão cedo... E não vou nem falar sobre ficar no "comando" da fazenda... porra de vida... o que eu faço?!
-Um story?-Sugere Ben. Lila o repreende.
De repente, aquela outra irmã, a Becky, invade o salão com o seu celular em mãos. Pelo visto, acaba de ver algo bem interessante.
-Você tá nos trendings!
Vira a tela para mim, eu imediatamente levanto-me e apanho o celular da sua mão, antes mesmo de pensar. Se trata de um vídeo do momento em que fiz a doação ontem. Foi postado no X e acabou se espalhando, pelo que posso ver, passou por algumas páginas do instagram também. Tem até um link para uma matéria chamada "A redenção do influencer mais desumilde do mundo?".
Nos comentários, vejo alguns dizendo que estou fazendo para me promover, mas a maioria diz que outros influenciadores deveriam seguir o meu exemplo. "Voltando a seguir" alguém comenta. "Nunca desisti do Holden Hansbridge!" Outro diz.Minhas mãos tremem a medida que não consigo parar de ler os comentários, que demoram um pouco para carregarem devido a conexão fraca. Com certeza um passo bem longo, isso significa que a minha carreira já não está mais tão perdida assim.
É evidente que acabo me emocionando.-Eu... voltei!-Digo.
-Parabéns!-Lila comemora.
-Eu voltei!-No calor do momento, em meio a minha comemoração genuína, acabo abraçando-a. Espero que o seu cheiro de alfazema não fique em mim.-Não preciso mais de um psicólogo! preciso de uma carona!
Imediatamente me lembro do grande empecilho no meu caminho: o vovô.
Droga... ele ainda é o maior problema nessa história toda, mas agora que tenho a chance de recuperar a minha carreira que já estava praticamente na lama, não posso deixar isso ficar assim.Lembro também do que disse mais cedo... sobre não poder me deixar voltar sem ter noção alguma de como as coisas funcionam aqui. Se parar pra pensar, tenho uma grande oportunidade diante de mim.
Eu já tive a oportunidade de conhecer aquele velhinho muito bem. Ele tem certeza de que sou um completo idiota e que vou fazer um monte de merda estando no comando... mas e se eu o surpreendesse?
Se o grande problema para me manter aqui for eu não fazer ideia nem de como fingir administrar a porcaria de uma fazenda, vou me certificar de que eu comece a fazer imediatamente, pelo menos até depois do fim de semana... ressaltando a parte de fingir.Pode ser que eu tenha um plano, e por mais que eu temesse que isso pudesse acontecer, vou precisar do Colt.

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Indomável (Romance Gay)
RomanceSatisfeito com a vida na cidade grande, Holden é obrigado a passar um tempo na fazenda do seu avô, onde vê a sua carreira ir por água abaixo e planeja ir embora o mais rápido possível. Por outro lado, o atraente e intrigante caseiro o faz repensar a...