Se eu pudesse ser aquele atendente da cafeteria... ele é infinitamente feliz... porque ele é ele e não eu. Ele deve ser um universitário que trabalha a meio período, deve ter um monte de estantes cheias de livros e uma escrivaninha cheia de papeis esperando por ele para mais uma sessão de estudos quando terminar o seu turno...
Talvez aquele outro moço que volta e meia olhava para o relógio em seu pulso, provavelmente esperando pela hora em que alguém querido viesse lhe encontrar...
Ou talvez aquela mocinha ali parada no meio da avenida que olha distraidamente para aquele prédio. Tenho certeza de que ela é mais feliz que eu. Ela não parece ser sozinha. Um copo de café na mão, um olhar admirado como se nunca tivesse visto um prédio na vida. É a mesma menina que cruzou comigo na porta da cafeteria.
Será que ela conversaria comigo se eu lhe pedisse? Não ficaria incomodada por um estranho abordá-la a esta hora da noite para lhe contar que precisa de um amigo que não o julgue e o aceite mesmo sendo imperfeito? Eu não teria nada mais a oferecer a ela além das minhas tristes músicas, reflexos da minha alma desbotada.
Eu a vejo afastar-se ainda olhando para cima sem se importar com os carros que desviam de seu corpo pequeno ou com as buzinas que soam cortando o silêncio da noite. De onde estou dá para ver que ela usa a escada de incêndio ao invés da porta da frente. Talvez queira aproveitar a subida do modo tradicional ao invés de apenas pedir o elevador.
Engraçada essa menina. Ela deve ser um pássaro de verão e está bem sem alguém como eu a interferir em seu passeio noturno. Naquela noite cada um seguiria para o seu lado e continuaria com a sua vida.
A menina sumiu da minha vista e então eu voltei a me sentir sozinho. Meu hyung certamente me mandaria sair do frio e voltar para casa, mas quem era ele para querer interferir tanto na minha vida pessoal? E quem era eu para causar-lhe preocupações?
Eu, um cara individualista, monocromático, pragmático, de mente fragmentada, que preferia passar o meu tempo livre longe de tudo e de todos, talvez trancado no quarto apreciando o escuro silencioso que não poderia ser mais escuro e nem mais silencioso do que eu mesmo.
Eu estava no meu momento mais fraco e na busca por uma força que eu não tenho, penso que meu terapeuta suspiraria aliviado por não receber mais visitas nem telefonemas do seu paciente chato, resmungão, complexado e, talvez aos olhos dele, mimado demais pela mídia. O paciente que ele não consegue curar.
A música que eu teimava em tentar terminar... outro terminaria. Ou o meu pequeno e talentoso maknae poderia apenas amassá-la e jogá-la fora junto com todas as minhas outras coisas.
Acho que não precisarei mais delas, penso enquanto caminho até o prédio à minha frente e, diferente da menina de casaco escuro, eu tenho permissão para entrar no prédio pela porta da frente, afinal eu trabalho ali há anos... não preciso usar a escada de incêndio já que existe um elevador panorâmico que aos poucos leva meus pés para longe do chão.
A cobertura é simplesmente o meu lugar preferido. O som é neutro, quase nulo assim como a minha existência. Me pego olhando para o céu em busca de alguma estrela que se preste a me mostrar que mesmo sozinha ainda é capaz de brilhar. Nada. Aquela noite nublada de novembro me faz pensar que talvez o inverno tenha mesmo chegado mais cedo, embora eu saiba que ele sequer foi embora dentro de mim. Não, em mim, sempre há lugar para mais um inverno onde meu coração possa hibernar livremente.
Talvez eu não precise esperar que o primeiro floco de neve caia porque, quem sabe, depois de hoje, as coisas já não sejam mais as mesmas, eu penso, mas não consigo evitar de arregalar os olhos e sentir todo esse gelo derreter dentro de mim quando vejo a menina de cabelos castanhos e casaco escuro —agora percebo que, na verdade, era cinza— com os braços abertos pondo-se de pé na beirada do parapeito do prédio. Por experiência própria eu sei que ele deve estar cheio de respingos do orvalho noturno, escorregadio e gélido.
Tento caminhar a passos largos, mas meu corpo não obedece.
Ela vai se jogar.
Ela quer se jogar. Assim como eu...
Por que?
Ela não é uma menina sozinha como eu. Ela é uma ave de verão, não é? Ela não é como eu...
Eu vejo seu corpo tombar vagarosamente para a frente. Eu não sinto meus músculos se mexerem, mas quando dou por mim, meus braços estão rodeados em sua cintura e pela primeira vez —em anos— eu deixo a dor que trago dentro de mim transformar-se em chuva enquanto a puxo de volta para longe da doce tentação gerada pelo parapeito de alumínio e para um lugar mais seguro. Uma chuva salgada e fria que me lava de dentro para fora enquanto a única coisa que eu consigo balbuciar é:
—Por favor, não vá.
Eu que queria ir, agora não tenho coragem de deixá-la fazer o mesmo. E por quê? Se chegou até aqui deve ter os mesmos motivos que eu.
Então ela é como eu.
Notas Finais
Se você conseguiu chegar até aqui, parabéns. Não foi uma viagem fácil, mas vamos continuar perseverando.
Só nos resta perguntar: quem será este personagem anônimo que prefere hibernar a voar para o sul no inverno e o que sua vida tem a ver com a nossa heroína?
Cenas dos próximos capítulos.
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