1. O inferno pode ser a sala de espera do paraíso

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O INFERNO PODE SER A SALA DE ESPERA DO PARAÍSO

Esconder-se se tornara sua profissão. Conhecera todo tipo de gente. Suas amizades eram questionáveis. Podia duvidar de sua sanidade, mas nunca duvidaria sobre o que deveria fazer. Neste momento se encontrava em uma espécie de clínica clandestina, subterrânea, totalmente desorganizada, pelo menos era o que parecia. No entanto, ajudariam ou morreriam.

Ainda sentia seus músculos doloridos e um chiado agonizante nos tímpanos, que latejavam. O cérebro rodopiava, com marteladas insistentes. Os pensamentos às vezes falhavam e precisava se concentrar ao máximo para não fazer besteira alguma. Sozinho, à espera, naquela meia luz. De vez em quando tudo girava e necessitava se apoiar em algo para manter o equilíbrio. Tanto mental quanto físico. Há seis meses não a via. Há seis meses lutava para encontrá-la com vida. As horas se arrastavam como serpentes, prontas para lhe dar o bote. Agora fazia algo que jamais pensara em fazer, mesmo antes da catástrofe. Rezava.

- Ela ficará bem. - disse uma voz masculina, rouca, como se não falasse há um bom tempo, saída da penumbra de algum corredor. Um som surdo a acompanhava.

- Onde ela está? - perguntou apreensivo.

- Bem. Logo a verá. Acho que você também precisa de exames, parece mal. - alertou o homem de jaleco branco, com a voz menos rouca e os olhos inflados, olhando-o profundamente.

- Estou bem. Restrinja suas preocupações a ela e se... - falava em tom ameaçador quando foi interrompido firmemente.

- Sossega. Não me arriscaria com você. Muito menos com ela. - fez uma pausa. - Escuta, se eles a encontrarem...

- Ninguém a encontrará - grunhiu socando uma mesa.

- Calma, relaxa, cara. Eu não sou o inimigo. Muito pelo contrário, apenas quero ajudar. O que eles fizeram não tem perdão.

- Sei disso. É que... foi mal. - concentrou-se para controlar seus instintos, respirou fundo, apertou as têmporas - Vai conseguir fazer o que pedi?

- Já fizemos antes. Disse a você o que aconteceu com a maioria no Armazém 9. Ainda assim quer que...

- Quero. Faça! É o único jeito. - falou ríspido e incisivo, sem espaço para mais objeções.

- Tenho esperanças quanto a ela. É mais forte que todos que já encontrei. Os exames apontaram incríveis taxas de, bem, deixa para lá. - deu meio sorriso desconcertado - Não entenderia os termos. É que me empolgo com essas coisas.

Já faz um tempo que eu não pego um desses e... - percebeu a impaciência do outro - Começarei imediatamente. Terá que ter paciência. O processo é longo e serão várias cirurgias. Ela sofrerá muito.

- Mas depois não se lembrará de nada, certo?

- Certo. - disse, com alguma relutância.

- Então, por que ainda está aqui na minha frente? - falou, encarando o homem de branco.

- Sabe onde ficam os quartos. Vejo-o em breve. - saiu arrastando a perna esquerda, com aquele som surdo característico.

- Espera! - umedeceu os lábios, vestiu uma máscara ameaçadora - Se alguma coisa de ruim acontecer com ela...

- Não seria louco de cometer qualquer erro. Sei bem das consequências que você me traria. - voltou às costas e saiu ainda falando - E acredite, pretendo sobreviver a toda essa loucura lá fora.

Enquanto o jaleco virava apenas um ponto branco sumindo na escuridão ao seu redor, pensava no que ele havia dito. Se soubesse que ela era A mais forte de todos, inclusive dos que ele nem conhecera... Passou a mão direita nos cabelos da nuca, balançou de leve a cabeça na tentativa de afastar tais pensamentos. Era melhor que não soubesse. Pois, se fosse pego num interrogatório de torturas, como já acontecera com ele próprio, não falaria mais do que sabe. Os tais exames, cirurgias e resultados ali feitos, teriam de sumir depois também. Ninguém saberia dela. Nunca mais se ouviria falar de Luna Santiago.

Destino Íntimo - A Um Passo do Eu - Livro 2 - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora