8 - Deixar Rolar o Planejamento do Enredo

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Planejar antes de escrever tem suas compensações, mas será que é imprescindível, como dizem os grandes produtores de livros (editoras e mega autores)? Podemos organizar aquele caderno cheio de rascunhos, ou as inúmeras anotações do bloco de notas do word e fazer chegar em algum lugar? Ou precisamos saber nosso destino para depois dar a partida?

Como tudo o que escrevo aqui, estas são observações sobre possibilidades de planejamento/produção da criação que o escritor pode utilizar:

A Produção "hippie" – Quando o escritor vai desenrolando/escrevendo a história assim que as ideias aparecem, confia na inspiração como deus supremo da arte de escrever, não espera que a ideia faça sentido, espera que ela se faça, a história caminha com o vento "sem lenço e sem documento". Este escritor não busca agradar ninguém, nem mesmo aos leitores, não conhece críticas; ou abusa das figuras de linguagem, ou esmiúça o cotidiano. O emaranhado que sai de sua cabeça pode ser bem interessante, ou pode ser a pior coisa que já se leu. Há muitos escritores neste estilo: Rimbaud, Jack Kerouac e quase todos os beatnics precursores da cultura hippie por exemplo. Uma boa capacidade de memorização, ou tempo livre para escrever sem parar por horas a fio permite que um texto assim engendrado: funcione, seja homogêneo e transmita verdade. Se bem que possa carecer às vezes de clareza e direção. No mais, muito talento, uma bagagem grande de experiência de vida e uma visão nova e acurada sobre o cotidiano podem tirar a história da precariedade em que ela cairia, se esta fórmula produtiva fosse usada sem estas qualidades. Embora, acredito que esta fórmula funcione muito bem para contos curtos e poemas de combustão espontânea.

"Só muitos anos depois ouvi falar de novo no Conde Christian. Isto se deu em Urnekloster, e foi Mathilde Brahe quem gostava de falar nele. Estou certo, agora, que ela expunha os episódios de um modo muito pessoal, pois a vida de meu tio, da qual a família sabia sempre boatos, que ele nunca negava, era passível de interpretações ilimitadas. Urnekloster agora é propriedade dele. Mas ninguém sabe se mora lá. Talvez ainda esteja viajando, como era de costume; talvez a notícia da sua morte esteja chegando de algum, lugar longínquo da terra, escrita pela mão daquele criado esquisito num inglês ruim, ou em alguma língua desconhecida. Talvez esta criatura não dê sinal de vida quando um dia sobreviver ao patrão. Talvez, há muito, ambos tenham desaparecido, e permaneçam apenas como nomes na lista de passageiros de algum navio perdido, nomes que nem eram os verdadeiros." Os Cadernos de Malte Laurids Brigge – Rainer M. Rilke

A produção "rabiscada" – A ideia do livro/conto surgiu e foi anotada conforme de costume, enquanto a ideia amadurece na cabeça do escritor ele toma notas e esboça o enredo, depois pensa nos personagens e na ação e a partir desta pré-produção começa a escrever. Não há um ponto para o clímax ou para a reviravolta, estes acontecem à medida que a ação se desenvolve.

O escritor então reúne outras notas, e refaz pontos que ficarão obscuros e reescreve. Rabisca, por assim dizer a obra, de fio a pavio. Algumas vezes usa vários cadernos/janelas, cola papéis pela parede e consegue ter uma visão do todo. Ao contrário do que parece, este escritor é o mais organizado de todos, se não fosse assim, não saberia por onde começar ou terminar em meio a tantas anotações. O mais coerente, pois precisa unir estes pontos num todo que faça sentido. Alguns escritores que optaram por este estilo, como Proust, são obcecados pela perfeição. Proust trabalhava assim:

Este é o tipo de livro que demanda mais tempo para ser produzido, pois cada parte dele precisa ser gestada separadamente e depois equilibrada no todo. Como uma família e suas unidades.

A produção "Sucesso Disney": arrebatando o coração e a atenção das pessoas, a "jornada do herói" estende-se em um planejamento padronizado. Quem opta por este sistema tem a seu favor um conjunto de dicas e um esquema realizador pré-fabricado, um quebra cabeça instantâneo. Escolha uma figura (ideia), escolha um tamanho (páginas/saga em 3 livros etc), recorte e então monte até formar a história. Consiste basicamente em dividir a história em partes e seguindo este padrão estabelecer qual será o contexto em que estas partes se inserirão, os contextos em termos gerais são:

Apresentação/Ambientação – Incitação/Exposição – Busca/Desejo – Impedimentos/Questionamentos – Clímax/Reviravolta – Conclusão/Resolução

O escritor monta um diagrama, com as ações e desenvolve cada ato do contexto de forma a obter o resultado desejado.

O diagrama pode ser ampliado para uma planilha delineando capítulos. À medida que os capítulos vão acontecendo, revisa-se o processo. O "feed-back" de leitores beta (que leem o texto antes dele chegar ao público alvo) é imprescindível. E a partir da metade do trabalho a planilha precisará ser revista e melhorada.

Ao contrário do que se imagina este processo não é uma coisa recente, tem raízes no teatro grego e faz parte integrante da nossa capacidade cognitiva. Não é um padrão inventado por um grupo de espertinhos da indústria cinematográfica hollywoodiana. Esta técnica, na verdade, foi muito bem aproveitada pelos escritores/produtores da tal indústria. A maioria dos autores de fantasia/young-adult utilizam este processo, citemos, então, um anterior ao boom da "fórmula Disney" – O Senhor dos Anéis de Tolkien.

4 – A Produção "Mista" – Todos os processos acima são usados, mas não como ferramenta absoluta. O autor deixa-se levar pela inspiração e escreve horas a fio ou dias a fio. Então para e perscruta o texto. Onde ele me levará? Que história quero contar? Qual será o tamanho desta história? Entre outros. Desenvolve um plano, como um desenho de um caminho, mas sem a preocupação de seguir os passos do contexto da produção 3.

O escritor, embora tenha clara certeza do que quer contar, em muitos casos não visualiza o fim antes que este se apresente. Por isso a liberdade da produção 2, de reescrever à perfeição e demorar o quanto quiser pode ser usada, lapida a história até que a história seja o que espera. Quanto à conclusão, como nos processos 1 e 2, não necessariamente apresenta uma solução, ela pode abrir-se para outra possibilidade, encerrar-se abruptamente deixando o leitor em suspense.

Neste processo o autor pode construir uma planilha dos capítulos ou partes a serem narradas e anotar um resumo dos acontecimentos para que não se perca a linha narrativa. Esta planilha também irá ser útil no momento de enviar originais para editoras, pois muitas delas solicitam este material.

Gosto muito deste processo, por que, enquanto me dá liberdade para fugir do lugar comum, não me joga no "outerspace", onde ficaria sozinho com meus pensamentos. Estes são alguns dos materiais físicos de planejamento que usei no meu livro "Caminho do Príncipe", que diga-se, comecei pela segunda parte e foi feito inteiramente no word. Pena que "post-its" não existem mais.

Link para o texto original no blog e figuras

https://claudiadu.wordpress.com/2014/01/31/deixar-rolar-o-planejamento-do-enredo-dicas-para-o-escritor-iniciante-23/


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