Prólogo: A Coisa Marinha

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O Carolina avançou sobre as ondas do Atlântico debaixo de nuvens pesadas

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O Carolina avançou sobre as ondas do Atlântico debaixo de nuvens pesadas. O mar sacudiu o barco pesqueiro, as ondas bravas golpearam a lataria ocre. O vento marítimo tocou o rosto de Emílio Soares. Ao clarear dos relâmpagos, ele observou as águas espumarem nas margens cavernosas da Ilha da Rata.

Nos últimos anos, naqueles mares, a pesca era restrita. A Ilha da Rata, localizada no arquipélago de Fernando de Noronha, situava-se na parte mais extrema do grupo de ilhas protegidas por leis ambientais.

Emílio sabia disso. Abordado certa vez por um guarda ambiental, foi coagido a devolver a pesca por usar equipamento sofisticado. Apenas a pesca artesanal fora liberada na região. Não achou estranho. A restrição nesta área aumentava a cada ano. Mesmo assim, desconfiou de algo mais.

Sobreviver da pesca o obrigou a frequentar aquelas águas, aproximando-se da costa litorânea durante o entardecer ou à noite, horário em que o controle ambiental diminuía.

Ele examinou o céu e ainda viu ao longe nuvens rosadas pelo sol, apertadas entre nimbos cinzentos. Aí, ouviu um bipe e voltou os olhos para o monitor.

Há mais de seis meses foi dono de vinte barcos menores, mas Emílio os vendeu e investiu todo o dinheiro em um barco médio de pesca profissional, com equipamentos modernos, incluindo um localizador de cardumes por sonar e um GPS. Mesmo com toda aquela parafernália, a vida de pescador era dura. A pesca diária não podia ser medíocre.

O grito de um homem, abafado pelo bramir das ondas, chamou sua atenção. O motor do Carolina estancou. Emílio saiu da cabine.

− As boias! − um dos homens gritou, com um gancho na mão para puxar as redes presas por esferas flutuantes. − As boias estão afundando!

− Que diabo é isso? − Emílio perguntou e franziu o cenho. − Estão presas?

− Alguma coisa está puxando elas para baixo, señor − Gutierrez, um pescador uruguaio, respondeu.

Ao tentar voltar à cabine de comando para verificar as imagens do sonar, Emílio hesitou; uma onda forte empurrou o barco. A porta da cabine se voltou contra ele e abriu um rasgo na testa. Falou um palavrão. O sangue escorreu na fronte.

Uma mancha fluorescente surgiu no monitor. Emílio presumiu que o barco estava ancorado sobre um cardume. Pôs a cabeça para fora da cabine e gritou:

− Usem toda força que puderem! Acho que são pargos! Nivelem as redes e puxem!

Os homens pularam eufóricos, os braços magros se contraindo ao segurar as redes. Haviam ganhado a noite. Voltariam mais cedo para casa. Pargos eram valiosos e apreciados por restaurantes e resorts.

Os quatro pescadores gargalharam e cantaram como se estivessem bêbados. Emílio sorriu. Cobriu o ferimento da testa com um pano sujo de graxa.

Escutou um ruído estridente. Ergueu a cabeça e procurou a origem do som. Um grito ferino e agudo, misturado ao bramido das ondas, ecoou ainda mais alto que elas.

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