Capítulo Único: Morte

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"Minha mestra, chegada é a hora em que nosso reencontro se torna inevitável." Uma voz feminina e masculina, grave e fina, ecoa ao mesmo tempo, em tons diferentes, é uma voz que Harriet Potter já ouviu antes. Uma que lhe causou arrepios quando jovem e que lhe acalentava agora quando adulta. "Minha doce senhora, hoje é o dia que você recebe o beijo da morte e que em meus braços você deve ser acolhida e guiada até seu lugar de descanço."

Raios de sol se lançam sobre o rosto profundo da lendária salvadora do mundo bruxo. É um fim de tarde tranquilo, mas ela se sente tão quente que pequenas gotas de suor descem sobre sua pele enquanto ela lentamente definha em sua poltrona velha e confortável. As mãos dela procuraram o apoio do braço a medida que seus dedos tremem, finos, sem cor. A sua força a abandonará e ela era uma prisioneira em seu corpo, e sua língua não mais era audaciosa como antes.

Enquanto Harry balançava suas pernas devagar, seus olhos de esmeralda se fecharam e ela aproveitou o pouco ar fresco que entrava pela janela àquele horário, sentindo seus pulmões lutando para trabalhar direito. Tudo que ela podia fazer agora é escutar o som tranquilo dos pássaros cantando uma serenata funesta e o farfalhar das folhas que soam mais como um adeus sendo entoado em sua honra, uma lembrança que ela deixara sua marca no mundo e agora estava na hora de partir.

Ela envelhecera demais nos últimos dez anos. E não como deveria, foi tudo imperceptível no começo com apenas algumas dores em suas juntas enquanto ela corria e se esquivava durante os treinamentos para ser uma auror, mas foi piorando com o tempo. Piorou o suficiente até que ela não fosse capaz de se levantar de sua cama sem ajuda de sua esposa - esposa essa que a deixou quando as coisas ficaram difíceis.

As vezes, ela ainda sentia falta de Gina, dos seus abraços, de seus doces beijos, até que o sentimento passava e seu coração endurecia de novo. Harriet sempre soube que Gina não era sua alma gêmea, sempre soube que apesar dos bons momentos nada daquilo iria durar para sempre e que todas as promessas, no fundo, eram vazias. A marca em seu pulso a garantia isso.

Subitamente, a Morte se aproximou. Ela era como o véu que cobre o sol depois de um dia todo no céu para dar espaço à lua e as estrelas, ela era como um segredo profundo que nubla os sentidos das pessoas que a tentam desvendar, era assim que Harry a descreveria se alguém o perguntasse. Ela não tinha uma forma única, de modo com que seu rosto continha vários formatos um sobre o outro como uma máscara nunca vestida do jeito certo, quando criança aquilo assustava Harry imensamente. Mas seus olhos de arco-íris (sua marca pessoal) a acalmavam completamente sempre que isso acontecia.

Seus passos eram tão leves quanto as sombras que pintavam suas paredes de tons amarelados, o papel de parede aos poucos descascando nas bordas. O quarto em que ela residia era simples, tão diferente do quarto que as pessoas achavam que a Menina-Que-Sobreviveu teria. Eles esperavam opulência e luxúria, mas nada disso era a cara de Harry, ela preferia simplicidade, ela preferia aquilo, sua poltrona perto da janela a cada manhã, o sol livrando-a de qualquer pensamento melancólico enquanto ela se lembrava.

Lembrar, afinal, era tudo o que ela podia fazer - lembrar de seu sofrimento e fracasso, sua raiva e seu perdão. Lembrar de sua infância conturbada, dos abusos que ninguém se importou e que ela mesma levou anos para processar e entender que aquilo não era saudável, dos medos que cresceram em seu peito, das lutas que travou com Voldemort e da sua vitória que já não significava mais nada.

E ela imaginou... Como as coisas seriam se Voldemort tivesse vencido? Como as coisas seriam para ela? Ele a amaria, a protegeria e cuidaria dela como as outras almas gêmeas fazem?

Rewrite the starsWhere stories live. Discover now