Capítulo 1 - Onde Começa o Inferno

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No momento em que me dei conta de que serei literalmente obrigado a abandonar a minha vida social, a civilização, o meu apartamento no centro da cidade e o sinal de internet sem precisar procurar um ponto alto para conseguir me comunicar com alguém, foi que percebi que isso não será só o inferno para mim... será pior. E eu não consigo nem procurar uma palavra mais adequada para descrever isso tudo... sei lá, talvez o inferno fosse até melhor do que estar preso no meio do nada.

A princípio, se já não me conhece, eu me chamo Holden Hansbridge, vou poupar todo mundo desses clichês de "sou um garoto normal que acabou de fazer dezoito anos e estou morrendo de medo de contar para os meus pais e amigos que estou passando por uma crise de identidade".
Nunca estive nem aí para os meus pais, tenho poucos amigos e não tive o privilégio (ou desprazer) de passar pelo drama de descobrir qualquer coisa, sei o que sou desde o dia que nasci. Ah, e se uma passoa que está bem perto de alcançar meio milhão de seguidores no Instagram deve ser considerado um garoto normal, eu não sei como continuar essa apresentação.

Sentado no banco do fundo do carro e com o meu celular em mãos, encaro os meus cabelos tingidos de loiro que revelam uma breve raiz de cor castanho claro e meus olhos da mesma cor que igualmente revelam, se observados com atenção, o quanto eu quero morrer, na última selfie que tirei enquanto espero que seja postada. Já fazem cinco minutos de espera. Tenho apenas um ponto de sinal. É, realmente... inferno é pouco.
Através da janela, observo a paisagem. Uma estrada que parece não ter fim. Muitos terrenos -todos são dele-, se forçar um pouco mais a visão através dos meus óculos escuros posso ver alguns gados perdidos espalhados e as montanhas ao fundo... me sinto enjoado. Pelo que sei, já estamos lá, mas ao mesmo tempo não estamos. É tudo muito grande.

-Tive uma ideia brilhante. Eu desco, você me atropela e me mata e diz que foi um acidente.-Sugiro para o motorista, a única companhia que tive durante toda essa manhã, uma viagem nada agradável que deve ter durado por volta de seis horas.

Olha pelo retrovisor com cara de quem quer mais do que eu que essa viagem acabe logo.

-Eu perderia o meu emprego e o seu avô me mataria.-Diz.-Nós já chegamos, garoto.

Suspiro, voltando a olhar para os lados e vendo (como antes) somente o vasto verde dos campos.
Já que entramos nesse assunto de repente, posso lembrar que tive muito pouco contato com o meu avô durante toda a minha vida, porém, ainda assim, foi mais do que o que tive com o meu pai, quando ele estava vivo.
Sempre tive onde morar, e muito bem por sinal, assim como sempre tive grande parte de recursos os quais nem todas as crianças podem ter. Sempre tive presente no meu aniversário, ou no natal, por exemplo, e os meus estudos sempre foram pagos pontualmente. Mas o meu pai não tinha nada a ver com isso, e eu só fui ficar sabendo disso quando cresci. A morte dele foi uma decepção, descobrir que o meu avô, que sempre foi descrito pela minha mãe como o diabo em forma de gente se importava mais comigo do que ele, foi uma maior ainda.

O carro passa por um longo caminho até chegar em uma porteira aberta, os portões de madeira são grandes e de cor branca. Se eu esticar o pescoço, posso ver, bem lá no fundo, o que mais parece aquelas mansões com aspecto de casarão antigo, porém, surpreendentemente muito conservada. Parece que tô num filme com um cenário do século passado, onde, não surpreendendo ninguém, eu morro na cena inicial.
O caminho é acompanhado de grandes arbustos até chegar próximo a casa. É algo arcaico, mas ao mesmo tempo bastante luxuoso.
Imediatamente olho para o meu celular e vejo que tenho dois pontos de sinal por aqui, porém, isso não ameniza nem um pouquinho a minha vontade de ir embora amanhã de manhã, ou até mesmo hoje a noite.

O carro é parado a uns dez metros da residência, eu me pergunto qual a necessidade disso. Não tenho muito o que pensar, já passei pelo processo de chegar aqui, agora já não me vejo mais com muitas opções. Por isso abro a porta e desco.
Isso não deve nem fazer sentido, mas a quantidade de ar livre aqui é sufocante. Me sinto, quase que literalmente, em outro planeta. Não tenho certeza se vou sobreviver.
Depois de engolir em seco, começo a caminhar tendo somente o meu celular em mãos. Meu story foi postado, talvez eu poste um outro pedindo socorro dentro de alguns minutos.

Indomável (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora