CAPÍTULO 11 - A REUNIÃO NAS ÁRVORES

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O VIOLETA MUDOU DEVAGAR PARA UM ROSA QUE SE AVERMELHOU E SE APAGOU NUM NEGRO SALPICADO DE PONTOS IRIDESCENTES E UM RASGO AMARELO NO CÉU A ANUNCIAVA, a noite se abatia mais rapidamente do lado Oeste da floresta. Até o vento acalmou-se e as árvores só balançavam lentamente as copas, como se a natureza estivesse cautelosa. Vista do chão eram gigantes enegrecidos; mas olhadas de cima como é próprio dos pássaros e do que não é natural, iluminadas pela luz da Lua ferida que caia devagar ao chão parecia um tapete de um verde escuro e uniforme, mesmo o relevo de montes e veias de rios aqui e acolá. Aos poucos, pássaros diferentes - pombos, falcões, urubus, corujas, pequenos, grandes, escuros, coloridos, pousaram em vários pontos de uma pequena clareira iluminada apenas pela fogueira pequena que ardia em seu centro. O barulho de sua chegada era uma algazarra que encobria os sons dos outros animais, ou eles estava calados frente a tão estranho grupo.

Aos poucos as aves transformavam-se em formas humanas encarquilhadas e pequenas, como se os animais se transfigurassem, que depois iam crescendo, uma névoa azul circulava no chão, anunciando que quem iria participar dessa reunião chegava: as Iyás Mi estavam prestes a espalhar sua presença na noite dos homens e extrair dela seu poder! Os inúmeros pássaros eram seus veículos, mulheres de várias idades se humanizavam, algumas mais velhas, outras mais novas, só uma delas era uma adolescente aparentemente. As Iya Mi, as chamadas feiticeiras ancestrais, não são uma Entidade específica, como muitos erroneamente podem pensar, mas um conjunto complexo de energias pulsantes e descontroladas, geradoras, mantenedoras e destruidoras da vida, o espírito aglomerado das ancestrais divinas geradoras do planeta e da raça humana. Filhas da Mãe Primeira.

Ìyá Mi são energias que, até mesmo os mais sábios sacerdotes (mẹ̀gùn) ou magos (ọlọ́ògùn) experientes possuem cautela ao manipularem. Encontramos três tipos de Àjẹ́ (feiticeiras), assim como Oṣó (o masculino delas): Àjẹ́ funfun, feiticeiras ligadas ao àṣẹ funfun (branco), são as menos perigosas, mais "sensatas e racionais" e proporcionam proteção aos seus, mas também matam, mesmo que seja para proteger; Àjẹ́ pupa, feiticeiras ligadas ao àṣẹ pupa (vermelho), completamente letais, capazes de causarem doenças, epidemias e grande derramamento de sangue, até a uma comunidade ou família inteira, matam de maneira muito dolorosa; e Àjẹ́ dúdú, feiticeiras ligadas ao àṣẹ dúdú (preto), as mais temidas, trabalham na madrugada e levam a morte certeira, aos incautos, dificilmente declara-se. Por sorte hoje ou azar da humanidade todas elas estariam reunidas ali com um único propósito: conspirar.

O tempo não representava muita coisa para elas, pois eram contínuas, viviam a mais tempo do que se lembravam, eram mais velhas até do que muitos dos Brancos, os orixás Irunmolés, responsáveis diretos pela criação, descendiam da Grande Iyá Agbá, Oduá, a Mãe de Todos e Todas, o outro lado do masculino OBatalá, o Grande Babá Nlá Agbá (Pai ancestre do Branco). Esperavam a feiticeira mais velha dentre elas, pois os planos tão bem arquitetados por todas se encontravam em perigo momentâneo e ela tinha notícias sobre a jovem que seria sua Chave. Três anos mortais já se passaram e a menina tinha desaparecido depois que a acharam na ilha de Jebba.

Eram todas Iya Malé, todas possuíam a cabaça, o ventre místico que contém o pássaro e o seu poder de feiticeira, mas só à coruja negra e enorme era dada as sete mais antigas. É este pássaro quem leva os malefícios, pragas, quebranto e feitiços até seus destinos. Sua elegância e beleza, além da agudeza faz de seu silêncio um fator de surpresa às vítimas em potencial quando pousa suavemente nos tetos das suas casas. Nada escapava de seu desejo.

Aos seres humanos resta somente não atravessarem seu caminho com tal força ancestral poderosa. Ao ouvirem seu temido canto, sempre a noite quando é propício para toda má sorte ser encaminhada, todo ser humano deve proteger-se e agradá-la. Iya Mi está sempre encolerizada sem razão aparente e sempre pronta a descer sua ira contra os seres humanos, não existe escapatória. Num estado de irritação constante, seja ou não maltratada, esteja em conjunto ou só, quer se fale bem ou mal dela, ou até mesmo que não se fale, deixando-a assim num esquecimento desprovido de glória. Por isso fala-se a boca pequena, sem mencionar o seu nome que é de má sorte: "Se ela diz que é pra matar, eles matam, se ela diz pra levar os intestinos de alguém, elas levarão".

Orun - Aiyé: Guerra Santa #Wattys2016 (EM REVISÃO)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora