𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 34 - 𝕟𝖆𝖓𝖌𝖚𝖊 𝕞𝖊𝖙𝖆𝖑𝖎𝖈𝖔

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"Me queime, e eu volto das cinzas. Me corte, eu curo a mim mesma mil vezes se for preciso. Me jogue no abismo e eu te puxarei para cair junto à mim. Me esfole a carne e jorre meu sangue. Faça de mim lixo e carcaça, mas saiba que

Nunca

Jamais

Você me escutará gritar!"

Lucy Vaughan

O silêncio vai, aos poucos, se perdendo na floresta com o despertar dos animais que nela vivem. Os ventos matinais se divertem percorrendo esses campos e o céu se exibe com suas cores prestes a explodir. Os lobos me guiam até a saída desse lugar quando me recordo de um pequeno erro técnico que deixei escapar nessa minha fuga.

   — Vai ser muito burro da minha parte dizer que eu não pensei em como voltar para o Castelo? — O lobo preto ao meu lado funga e abaixa a cabeça, me encarando logo em seguida. — Nem vem com esse olhar de julgamento para cima de mim, eu também erro ás vezes. — Ele apenas dá as costas e sai da floresta sozinho, comigo logo atrás á passos apressados. O céu parece ficar mais claro a cada minuto, apesar do sol ainda não ter dado as caras por aqui, mas logo o reino acordará e poderão dar por minha falta.

Andamos silenciosamente por quase toda a extensão lateral do muro de pedras ásperas e musgos do Castelo até chegarmos em seus fundos. O muro parece estar perfeito e não há nada em que eu possa me apoiar para escala-lo. Coloco as mãos na cintura e arrebato o animal ao meu lado com os olhos.

   — Olha, eu não sei se você sabe, mas voar não está incluído na minha "lista de habilidades", então qual é o seu plano? — Ele vai até a grande parede de tijolos e empurra algumas pedras com o focinho, fazendo-as cair como pedaços de pão e abrindo um pequeno buraco. Me agacho e toco suavemente os tijolos. — Como você sabe disso? — O dono da noite apenas empurra meu braço com o focinho como quem diz "anda logo". Suspiro e concordo. — Obrigada por me guiar. — Acaricio seus pelos negro e passo, com certa dificuldade, pelo buraco, o fechando com cuidado logo em seguida.

A trajeto de volta para meu quarto foi o mesmo da ida, ainda que na hora de passar pela janela do banheiro eu quase tenha caído de cara no chão devido a distância. Tiro minha roupa e a substituo pela minha camisola usual para me deitar em meu leito de descanso e fingir um sono profundo até a porta do meu quarto se abrir e a voz de uma das funcionárias do castelo me chamar.

Cheguei a tempo.

Apesar das dores nas costas e nas costelas que as minhas quedas na lama geram, saio rapidamente da cama ao ouvir a porta se fechar e vou até a pilha de livros que se formou em minha estante ao longo da minha semana de tristeza em busca de algum esclarecimento sobre o acontecimento dessa madrugada.

Por que os lobos não me mataram?

O que foram aquelas catástrofes naturais?

O que eram aquelas escritas estranhas?

Sem respostas.

Não havia uma única citação àqueles fatos, nem mesmo uma breve suposição. Nada. Livros e mais livros. Palavras e mais palavras. Todos vazios do significado que procuro.

Continuo minha busca, em vão, até sentir meu estômago estremecer e se revoltar com a falta de comida. Encerro minha procura e vou me arrumar – de novo – para descer e socializar um pouco, aproveitando o trajeto para passar na biblioteca e devolver parte dos livros.

No caminho para as escadas acabo trombando com Rutts, que estava de cabeça baixa. Ele, por reflexo talvez, me segura pelo ombros ainda sem saber em quem esbarrou enquanto se desculpa e tenta me afastar, mas paralisa ao olhar em meus olhos. Seu olhar é perdido e confuso, como quem busca respostas inexistentes para dúvidas reais demais. Um maremoto de emoções e lembranças. Dores de um quebra-cabeça muito bem montado, infelizmente. Me vejo refletida em seus olhos castanhos claros, me vejo refletida nele. Somos do mesmo sangue, afinal. Me pergunto se ele já sabe, se ela teve coragem de contar-lhe a verdade, ou se escondeu-se atrás do medo.

Irmãos da RosaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum