— Atenção senhoras e senhores passageiros, pousaremos em cinco minutos.
Apertei o cinto um pouco ansioso, Felton revirou os olhos.
— Agora, continue — ordenou.
Ainda regulando o objeto de segurança, voltei a contar sobre o sonho e a minha perspectiva do evento turbulento de horas atrás.
Tinha ficado em silêncio por muito tempo, contando os dedos vez ou outra para me certificar de que estava acordado e não em mais um pesadelo.
Tentei ignorar o jeito inquieto que o agente ao meu lado se comportava; remexendo em seu assento, tamborilando os dedos com frequência e suspirando a cada movimento. Porém, não tinha como adiar a conversa por mais tempo, tanto a curiosidade de Felton quanto minha necessidade de desabafar se uniram em uma conversa sem muitas risadas.
— Quando eu me aproximei e vi que era Lydia quem você estava... huh...
— Comendo.
— Isso, comendo. Quando me aproximei e vi que era Lydia quem você estava comendo, eu acordei e tudo aquilo aconteceu — terminei.
O agente, normalmente leve e entusiasmado, franziu ainda mais as sobrancelhas e tamborilou os dedos no estofado pela quinquagésima vez.
— E esse tipo de sonho não acontecia fazia...
— Nove anos.
— Que no caso foi no surgimento de um demônio japonês...
— Um Nogitsune, uma raposa que se alimenta do caos.
— Sim, isso aí — abanou a mão, dispensando a informação — E esse... breakdown que você teve hoje pode significar alguma coisa em relação a essa... raposa?
Mordi os lábios, em dúvida. Se poderia? Não sabia. Tínhamos matado aquele filho da mãe, não tínhamos?
— Sinceramente? Eu não faço a menor ideia — respondi, recostando no estofado e segurando o cinto com firmeza ao sentir as tremulações do avião. — Mas isso não é um bom sinal. Um sonho nessas proporções, um caso em Beacon Hills, Lydia sumindo... Talvez tudo está conectado ou é uma coincidência.
— Uma maldita coincidência, isso sim.
— Queridos passageiros, chegamos ao aeroporto do Condado de Beacon Country. Verifiquem se estão com todos os pertences, não nos resp...
— Não sei, não, Stilinski — o wendigo falou enquanto pegava nossas bolsas de mão — talvez seja sua preocupação com Lydia.
A maneira casual com que falava era quase um soco em meu estômago. Peguei minhas bagagens e entrei na fila indiana que se formava para a saída.
Neste ponto, eu e Felton cochichávamos com o outro.
— É uma grande possibilidade, mas estou tendo sonhos desde aquele dia e nenhum deles me fez duvidar se estou acordado — rebati, verificando a distância de Marriott para continuar a falar. — Que eu tenho ataques de pânico e pouca qualidade de sono, eu sei, é um fato. Tive que aprender a lidar com isso para entrar no FBI. Não é estranho que, quando um caso suspeito surge em minha cidade, perca todo meu treinamento?
— Sim, eu entendo, mas pense! E se tiver algo a ver, o que diabos isso significa?! O que exatamente quer dizer você não saber distinguir a realidade de um sonho?
Não soube o que responder, continuei o caminho até o aeroporto em silêncio.
A verdade era que estava com medo, muito medo. Não sabia se era pelo pesadelo, pelo desaparecimento de Lydia, pelo caso em Beacon Hills que trazia memórias obscuras à tona ou pela teoria de todas as coisas anteriormente citadas serem interligadas.
No final daquela infindável trilha burocrática, precisei controlar minha respiração mais uma vez.
— Vamos? — chamou Felton.
Abri os olhos e observei a feição preocupada que tomava o rosto do Wendigo. Foi apenas uma impressão, mas cansei profundamente de toda a impotência que me rondava.
Sorri e balancei a cabeça.
— Vamos.
Duas grandes viaturas nos esperavam no estacionamento. Fui guiado para a maior delas e sentei-me no último banco.
— Guiaremos a senhora e os senhores para suas respectivas estadias — informou um deles, direcionando-se para Marriott.
A mulher parecia cansada, mas não abandonou a postura firme.
Permanecemos em silêncio, apenas trocando cumprimentos silenciosos com os motoristas. O caminho foi mais silencioso ainda, todos pareciam tensos e eu me segurava para não acabar desmaiando com a falta de comida.
O sol já se escondia no céu para dar lugar à lua quando chegamos em Beacon Country, esta que estava mais iluminada do que me lembrava; grandes prédios espelhados refletiam as sinalizações do trânsito, supermercados que nunca tinha visto e uma maior quantidade de automóveis.
Da mesma forma estava minha adorável Beacon Hills, continuava com sua imensa reserva florestal, mas várias casas e uma nova construção de grande escala nos recepcionava. O prédio parecia estar em seus processos finais, exibia a imponente estrutura límpida e brilhante com vidros esverdeados e pisos de cerâmica.
Avançamos cidade adentro, contornamos alguns pontos onde agentes se acomodariam e vimos a van esvaziar gradativamente até restar eu, Felton e Marriott.
— Ansioso? — ela perguntou uns minutos depois, não soube exatamente a quem ela se referia — Deve ser bom retornar para casa depois de tanto tempo.
Talvez fosse a larica deturpando meu raciocínio ou minha pré-indisposição para com Marriott, sendo uma ou outra, só voltei a consciência quando as palavras já saíam de meus lábios.
— Não estou aqui de férias, detetive. Estou a trabalho e sugiro que se relacione comigo considerando este fato.
A mão de Felton apertou meu braço com força, alarmado. Teria arregalado os olhos e me desculpado se a van não estacionasse e o motorista anunciasse a chegada ao apartamento da mulher.
— Certo. Nos encontramos amanhã pela manhã na delegacia.
A porta mal havia fechado quando o Wendigo virou-se bruscamente em minha direção.
— Ficou maluco, Stilinski?!
Segurei o banco o mais forte que pude, acabando por romper o couro e enchendo a palma de espuma. O som surpreendeu tanto a mim quanto a Felton e, infelizmente, o motorista.
— Desculpe! — exclamei, entrando em desespero — Desculpe, eu não sei o que...
— Coloque na minha conta — Felton me interrompeu, estendendo um cartão para o assistente.
Minha cabeça girou em confusão, pensava várias coisas ao mesmo tempo que não pensava nada.
Permaneci no estado de introspecção durante muito tempo. Vi a reserva ficar distante e abrir espaço para casas e mais casas tão conhecidas.
Uma, em específico, me chamou a atenção. Majoritariamente cinza, com dois andares e poucas luzes acesas.
Senti lágrimas invadirem meus olhos com força, os dedos pressionando ainda mais o banco.
Estava em casa.
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Raiz de Babel
FanfictionStiles não imaginava as peças que o destino preparava para pregar-lhe e nem as situações precárias que teria de enfrentar. Impedido de participar da investigação do desaparecimento misterioso de sua namorada, o recém-formado detetive é chamado para...