#49 - Depoimentos

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— Então deixa eu ver se entendi. — O delegado gordinho se levanta e começa a andar de um lado pro outro. — Você foi sequestrado por esse Laerte aí e foi deixado numa plantação?

Eko sorri com aquela cara de religioso em paz e responde por mim.

— Sim, senhor delegado. Eu o encontrei.

— Você sabe que essa história está muito mal contada. Já faz mais de semana que o assassinato aconteceu. Como diabo você sobreviveu? Esse tempo todo tava no mato?

— Não, senhor delegado. — O Eko responde novamente. — Eu o encontrei lá há uns quatro dias, mas ele estava muito abalado e machucado. Não lembrava nem mesmo o próprio nome.— Isso é muito conveniente, não acha?

— Sou um homem de Deus, seu delegado. Só estou relatando.

— E como esse Laerte levou o senhor pra fora da cidade?

— Como?

— Se ele precisou de mototáxi, como é que te levou depois que sua moto quebrou? Em que veículo vocês foram?

— Eu não sei, senhor. Eu apaguei com a queda.

— Como as árvores da fazenda reagiram? Apareceu alguém da fazenda, aliás, em que fazenda isso aconteceu?

— Uma pequena. Fazenda Arco-Íris, se bem me lembro.

— Frei... Estou perguntando a ele.

— Perdão.

— Foi isso.

— Foi isso?! Vocês não estão me convencendo. Tem o registro residual disso, frei? — Ele olha pra nós dois e ele mesmo responde em seguida. - Claro que não tem! É a droga de um frei hippie comunista!

Eko se benze em resposta, enquanto o delegado apoia as mãos na mesa. Suas duas mãos são robóticas.

— Então voltamos à idade das cavernas com a droga de uma prova testemunhal?

— Senhor delegado. Eu sou de Arapiraca e passei mais de um ano fora. Você pode confirmar com meu pai e minha irmã. Voltei recentemente e, na volta, encontrei esse jovem totalmente confuso perto da estrada. Por Deus ele resistiu e viveu!

— E por que o sequestrador o levou até lá? O que ele queria?

— Com todo o respeito, senhor, mas isso vai ter que ser perguntado a ele, quando for capturado.

— Sei. Me dá o IDX do seu pai e da sua irmã que eu vou conversar com eles.

— Certo, mas eles não ficam muito tempo online. Eu não sei qual o código deles.

— Cacete, vocês me tiram do sério! Devia ser proibido andar offline. Só nessa merda de país que tem disso!

— O criminoso pode ter pensado que foi visto e seria identificado. — Eko complementa a resposta à pergunta anterior.

— Pode ser. Nesse caso, vamos precisar da descrição do elemento.

— Eu não vi, desculpe.

— Como?

Eko dá de ombros e completa o que eu disse.

— Eu falei que ele poderia ter pensado assim. Também não sei. Não sou eu que vou ser bom em entender a mente de um criminoso, não acha?

— Sabe o que está me parecendo? Vocês dois são é cúmplices!

— Perdão, seu delegado. Nem na cidade eu estava no dia do crime. Quanto a esse jovem, por que ele participaria da morte de um vereador que defendia a categoria de trabalho dele próprio?

— E eu é que sei? Ah, diacho! Dejixas!

Uma policial aparece na porta da sala.

— Pois não, delegado.

— Acompanhe esses dois até a casa do frei e colha videodepoimento do pai, da irmã e de quem mais você encontrar por lá.

— Sim, senhor. Vamos? Me sigam.

— História mal contada da porra... — Ouvi o delegado resmungar isso, enquanto a gente saía. O andejo sorria com sua cara de homem sábio em paz.

A policial Dejixas nos levou até o cortiço numa viatura. Saímos só nós três de lá da delegacia. Chegando, foi em busca do senhor Arigan, pai do andejo. Depois se arranchou na sala da Erika lá na entrada. Daí foi entrevistando o povo. Cada um passava pelo menos meia hora.

Felizmente, o andejo tem falado com todo mundo e já tinha articulado o que era pra ser dito. A policial não teve saco de entrevistar todos de lá não. Na verdade, acho que nem imaginavam que o Eko morava num cortiço com tanta gente. Depois de falar com a Maya, ela me chamou.

— Senhor Gael Beker...

— Pois não.

— Eu ia colher seu videodepoimento também, mas lembrei que o delegado já conversou com você. Acho que não será necessário.

— Então, o que eu faço?

— Espera aqui. Daqui a uma semana eu devo aparecer com o resultado, já que vocês são hippie, mas acho que vai dar nada não. Você passou um sufoco, hein cabra! Pelo menos saiu vivo.

— Pois é.

— Vou indo lá. Tenha uma boa tarde.

— Obrigado. Você também.

O Último Mototáxi de Arapiraca - COMPLETOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora