Capítulo 12 - Os mortos na sala de jantar.

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Capítulo 12 – Os mortos na sala de jantar.

Um ano mais tarde, Rachel sorria para seu pai à mesa, passava o olhar rapidamente por sua mãe, por seu avô, por seu irmão e por sua tia, pediu:

__Nicole, por favor, o sal.

O holograma de sua tia Nicole sorria e indicava com as mãos que não conseguiria pegar fisicamente o saleiro, a inteligência dos programas holográficos de Bourdieu havia avançado enormemente após meses continuados de pesquisa de toda a sua equipe, havia trocas intensas de dados entre o ambiente filmado e cada um dos simuladores individuais, bem como entre os mesmos se dava uma contínua comunicação, de modo que o resultado final era surpreendente, cada holograma se comportava como uma pessoa real, eles conversavam entre si e respondiam a variações no ambiente, podiam até prestar atenção a conversa de Rachel com a sua avó, naturalmente era necessário organizar a cena antes de simulá-la e dar algumas indicações sobre como tal se processaria, no caso, Rachel havia simulado um jantar de natal e posicionara os simuladores em pontos estratégicos e, após alguns ajustes, teve seu primeiro Natal verdadeiramente em família após longos seis anos de luto e melhor poderia programar uma cena sem discussões.

Após ouvir algumas piadas sobre cinema que seu pai contava e servir os pratos e escutar elogios acerca da ceia que encomendara, Rachel começara a comer alegremente, só quem parecia não gostar das presenças da mesa era a avó de Rachel, que esforçava-se para não se arrepiar toda a vez que fita o olhar de seu filho, as conversas entre sua nora e a irmã dela, mas nada lhe causava mais espanto do que o olhar frio de seu esposo que a fitava de modo interrogativo em resposta a seu olhar demorado e suas indagações:

__Não tá com fome?

Ela suspirou diante do holograma perfeito e se virou para Rachel que conversava sobre o Putini que mandara fazer e que era o prato preferido de seu pai:

__Rachel, isso tem que parar!

A jovem pareceu ignorar o desabafo da avó e continuou a conversa divertida que havia estabelecido com seu pai, então aquela senhora bateu na mesa e todos os presentes viraram a cabeça em sua direção e olharam sem entender a sua revolta, seu esposo logo indagou:

__Aqui não tem garçom...

Ela mordeu os lábios, irritada, até depois de morto, aquele homem voltava para lhe provocar, a nora já esboçava sua cara de desprezo:

__A senhora não deveria agir de modo tão grosseiro!

Seu filho olhava de modo reprovador para a esposa, enquanto apenas a irmã dela, Nicole, parecia aérea, tal como era quando em vida.

Mais uma vez a avó de Rachel se pôs a repreender a neta:

__Por que você não deixa os mortos descansarem! Já não basta me torturar com aqueles hologramas no cemitério, agora você os leva para morar conosco!

Rachel com seu ar um ano mais rebelde bradou:

__Não fale assim com eles!

__É isso mesmo!

O holograma do avô de Rachel falou em tom de voz elevado, mostrando-se visivelmente embriagado, enquanto a nora provocava:

__Mortos! – E gargalhava – Você é que está morta, não sei como seus pulmões conseguem receber tanta cocaína... Você nem deve ter mais pulmões...

O clima sobre a mesa ficou tão tenso quanto no passado e, novamente, Rachel culpava a sua avó, tal como na Califórnia eram seus vícios que davam início as grandes discussões e todos os problemas subsequentes, a avó de Rachel então se levantou, a última coisa que desejava no mundo era ficar vendo os mortos cutucando suas antigas feridas, que nunca se cicatrizavam, ela disse olhando seriamente para Rachel:

__Eu não quero esses simuladores aqui amanhã...

E Rachel contrapôs revoltada:

__E eu não quero suas drogas por aqui também!

Dizendo isso recebeu um tapa com força, seu rosto se virou involuntariamente em uma cena dramática, e se tornou rubro e ardente, coberto por um véu de humilhação e impotência... Enquanto isso os hologramas protestavam:

__Velha covarde!

__Mãe, por que você fez isso?

__Deveria mesmo se livrar das suas drogas, deixe a Rachel em paz!

Agora a distraída Nicole tentava entreter o irmão de Rachel, para que ele não visse o desenrolar da discussão.

E a avó de Rachel caminhou para fora da sala de jantar enquanto os hologramas a insultavam, depois daquele natal, Rachel passou a simular suas cenas escondida e seus hologramas passaram a ser sua família de verdade ao longo da adolescência.

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