Capítulo Um

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Sexta-feira, 29 de outubro


Choi Beomgyu não acreditava em milagres.

Quando era criança e não tinha responsabilidades, como pagar as contas fixas do mês ou tirar notas boas para conseguir um diploma com uma láurea acadêmica, o aspirante a engenheiro da computação talvez acreditasse que a solução para todas as desventuras que pudessem cruzar seu caminho recaísse, de fato, nos milagres do destino.

Para falar a verdade, Beomgyu não se deu conta da vida até que estivesse matriculado num curso de ensino superior na Universidade de Kyungsan e encontrasse, ainda no primeiro dia de aula, exatamente o empurrãozinho de que ele precisava para se tornar consciente de algumas coisas. Consciente até demais, alguns de seus amigos diriam.

Antes disso, ele não se interessava por nada. Só estudava o necessário para passar nas provas finais. Passava a semana trancado no quarto jogando videogames, por mais que sua mãe reclamasse do barulho dos botões do controle do PlayStation sendo apertados de madrugada. E, quando se formou no ensino médio, terminou de cumprir o serviço militar e precisou se matricular em um curso de ensino superior assim que foi dispensado, fez "uni, duni, tê" entre as opções que tinha. Ele acabou caindo de cabeça num curso complexo e trabalhoso até demais, mas, na primeira aula do primeiro dia do primeiro semestre, a sua crença sobre os milagres, o destino e a vida fácil que levava tinha ido por água abaixo.

Ao começar o serviço militar aos dezoito anos, Beomgyu foi designado a um dos esquadrões das Forças Armadas e encontrou, como colega de trabalho, um serzinho arrogante, prepotente e genioso que lhe dava nos nervos sempre que tinha de formar dupla com ele durante os treinamentos.

Tudo o que Beomgyu sabia durante o alistamento e o tempo que permaneceu servindo ao exército era que seu companheiro era dois anos mais velho do que ele, tinha trancado a faculdade para prestar o serviço militar e não tinha nascido em Busan. Não se deu o trabalho, na época, de decorar o nome dele. Com os demais colegas com quem Beomgyu conversava, ele se referia à dupla irritante como "senhor mandão", porque todas as tarefas deveriam ser feitas do jeito dele.

Quando foi dispensado, pôde, finalmente, transparecer o desgosto que sentia pelo antigo companheiro e não mediu palavras ao jogar uma indireta aqui e outra acolá durante a cerimônia de despedida do exército. Antes, quando ainda serviam, se decidissem implicar abertamente um com o outro, teriam de arcar com as consequências.

Todos formavam um time.

Esse era o lema que haviam ensinado ao esquadrão ao qual Beomgyu e o senhor mandão tinham sido designados. O outro parecia conseguir aturar a presença de Beomgyu e respeitar as regras de seus superiores. O espírito rebelde do aspirante a engenheiro, no entanto, impossibilitava que ele ficasse quieto o tempo todo.

A implicância foi mútua. Os dois trocaram olhares mortíferos em uma guerra fria tácita. Logo, não é preciso dizer muito para entender que Beomgyu sentiu-se profundamente afetado quando entrou na sala de aula no primeiro dia letivo do seu primeiro curso de ensino superior e encontrou, sentado em uma das primeiras classes, seu antigo companheiro de exército.

As fofocas espalharam-se rapidamente por entre os estudantes da Universidade de Kyungsan. Primeiro, alguns poucos amigos do jovem perceberam o humor cáustico e os olhares fulminantes que Beomgyu lançava ao colega. Depois, surgiram boatos de que Beomgyu e o senhor mandão eram amigos de infância e que o tempo não tinha sido justo com a amizade pacífica dos dois. Beomgyu e seu grupo de amigos tinham ouvido aquela mesma história mais de uma vez e, vez ou outra, as pessoas acrescentavam a informação de que um dos dois havia começado a nutrir sentimentos que transcendiam o usual platônico e acabaram rompendo laços.

Anonimato • BeomjunOnde histórias criam vida. Descubra agora