Senti meus olhos se arregalarem como se pertencessem ao corpo de outra pessoa. A rua cheia, após minha adrenalina, ficava sozinha. Do nada, um clarão enorme! Gritos incessantes de desespero! Uns sons mecânicos e místicos, como se fosse... sei lá alguma coisa sendo sugada! E junto de alguns grunhidos que foram chegando próximos, senti o gelado da algema em meu corpo, um barulho de portas se fechando e uma sirene, e pronto. Eu apareci nessa... solitária?
Eu tô tentando procurar uma explicação lógica pra tudo que tá acontecendo aqui, não sei se é uma punição divina, se eu... sei lá! Porra! Eu não sou tão louco assim, EU SEI o que ouvi, ou vi... minha visão ainda estava turva daquela luz.
Tá, independente da bizarrice eu sei que fui preso, que fui pra cadeia, e eu sei exatamente o motivo disso, seja da lei ou do divino.
Tenho 14 anos e não conheci meus pais. Moro numa comunidade na periferia de São Paulo, onde todos os "marginais" sonham um dia em serem alados. Bom, eu me viro do jeito que posso... ainda tô aprendendo muito com os manos de lá, embora eu prefira não pedir ajuda e me virar.
Eu não sei o que aconteceu comigo, eu nunca fui um assassino, nem um membro do PCC, nem um político do centrão... eu sou só um "ladrãozinho", como dizem os cidadãos de bem.
Fui preso após tentar um assalto e... É, você deve tá rindo da minha cara né? Olha em minha defesa eu nunca poderia imaginar que aquela senhora soubesse usar tão bem um spray de pimenta.
Não teve nada daquele processo demorado, eu não passei por uma condenação ou fui demonizado nas mãos de um promotor, nem vi a peruca engraçada que os juízes usam na TV.Ahh! você entendeu. Eu não vi nada dessas merdas, só fui preso.
Mas não faz sentido! Eu li o suficiente pra saber que aqui no Brasil ninguém vai preso com 14, eles te levam pra sei lá, pra... Fuca, casa.. FEBEM, alguma coisa assim. O que tô querendo dizer é que eu não sou perfeito, muito menos inocente, mas o que quer que me "prendeu" não foi humano, no mínimo foi um bando de porco. É.. tomara que seja coisa de ET mesmo...
Seja lá onde eu estou, talvez seja mesmo uma prisão. Dá para ouvir vagamente uns cochichos de conversas por aí, um abrir e fechar de celas, e... pelo menos durante o dia parece não ser nada de outro mundo. Ouvi palavras como "Teste, evolução, vagabundo, cafuçu, medo, quarta-feira", mas nada indicava existirem outros detentos.
— Janta!
Disse uma voz rouca e de alguma forma acústica. Depois de sei-lá-quantos dias sozinho eu escuto alguém bater na porta. Tudo apontava pro fato de que isso não ia ser tão frequente. Porra, meu estômago tava quase dobrando! O que eles pretendiam, me alimentar a cada lua cheia? E cadê uma água nesse caralho? Diante daquela comida fedorenta e do teor sarcástico dessa situação bati forte com tudo no portão e em todas as paredes, meu lado esquentadinho tava pegando fogo.
— Oi, tudo bem? Que bom que você achou minha carta! (seja lá quem for) – dizia no papel, não sei nem se 'papel' é a melhor definição para aquilo...
Mas o quê?
— Olha, a esse ponto você já deve imaginar, mas vou reafirmar: essa prisão NÃO é um lugar comum, e se quiser sobreviver a essa solitária vai ter que seguir minhas dicas, ok? Meu Deus, como eu pareço doida falando sozinha HAHAHAHA, e mais ainda escrevendo risadas no lápis! –
Duvido muito que ela tenha usado um lápis.
— Tá, ok, voltando, agora é sério. Eu tive que passar por poucas e boas pra conseguir papel o bastante para escrever tudo isso, se eu sobreviver a essa bosta, figurativa e literal, com certeza nunca mais sentirei cheiro nenhum. Meu amigo ou amiga, nem queira imaginar os absurdos que passou na minha mente, mas isso não é um diário, eu vim aqui para te dar regras. –

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MANUAL DA SOLITÁRIA
Mystery / ThrillerUm garoto jovem órfão entregue as mãos da miséria social durante um assalto se depara com uma situiação atípica: ele é raptado e preso, sem muito entender acha tudo aquilo muito estranho, barulhos cheiros e sensações insinuavam um perigo, e esse per...