Capítulo 2 - Lara

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Terminei de picar os tomates frescos e os coloquei em um prato junto com um pouco de alface. Nossas refeições eram sempre melhores quando meu tio nos visitava, porque ele trazia alimentos recém-comprados, mas essas visitas às vezes demoravam e acabávamos reféns de enlatados.

Celeste terminou de fritar os dois bifes e colocou um em cada prato. Juntei com o arroz e a salada para que pudéssemos comer. Diante uma da outra, nos acomodamos na mesa com espaço para dois e ficamos nos encarando.

Deveríamos comer. Em alguma parte remota da minha mente, eu sabia que estava com fome, entretanto, não conseguia pensar nem mesmo em me alimentar diante do desespero que estava me corroendo.

— Não podem nos separar — finalmente falei o que estava me revirando de dentro para fora.

Minha irmã balançou a cabeça, concordando comigo. Ela estava tentando cortar o bife, mas acabou se irritando e abandonou os talheres sobre o prato.

— Temos que sair daqui.

— Sair? — Levantei os olhos, surpreendida com as suas palavras.

— Se fugirmos não vamos ter de casar com ninguém nem nos separarmos.

— Crescemos aqui e não conhecemos o mundo lá fora. O tio Ravi disse que a escuridão está à nossa espreita e se ela fizer conosco a mesma coisa que fez com os nossos pais? — Engoli em seco diante da possibilidade.

Eu não queria morrer como eles, mas também não via a separação da minha irmã como uma boa saída. Se havíamos passado pelos últimos dez anos era porque ainda estávamos juntas. Ela era tudo o que eu tinha e não havia motivos para sobreviver sem que fosse para continuarmos uma com a outra.

— E se a escuridão nos alcançar? — continuei com os temores que Ravi havia implantado em nós ao longo dos anos.

— Isso pode acontecer quando estivermos com esses homens que o tio Ravi escolheu — disse Celeste, fazendo-me pensar.

Balancei a cabeça concordando, depois comecei a olhar de um lado para o outro, pensando em como iríamos conseguir sair dali.

— Está tudo trancado.

— Vamos ter que abrir um buraco.

— E se o tio descobrir?

— Ele nos visitou hoje. Não vai voltar.

Concordei com a cabeça.

— Termina de comer. — Indiquei o prato.

Eu não fazia ideia do que iríamos encontrar lá fora e era melhor que não estivéssemos de barriga vazia. A minha vontade de continuar com a minha irmã era maior do que o meu medo do que poderia nos acontecer se ficássemos à nossa própria sorte. Eu não queria me casar com um desconhecido e ter que me separar dela, então precisávamos de uma forma para contornar aquela situação.

A fuga parecia a única alternativa.

Terminamos a nossa refeição e saímos da mesa.

— Temos que pegar roupas e comida — Avisei a ela.

— Não temos uma mochila para guardar.

Olhei de um lado para o outro enquanto procurava alguma alternativa até que reparei nas sacolas que o nosso tio havia utilizado para trazer os alimentos.

— Vamos usá-las. — Indiquei.

— Não podemos levar muitas coisas ou não conseguiremos carregar.

— Só o essencial. — Fui para o nosso pequeno quarto e peguei algumas roupas, dobrando-as e colocando-as dentro de uma das sacolas de pano. Havia outras como aquela que não havíamos jogado fora, por mais que não imaginássemos que em algum momento elas seriam úteis.

Olhei para alguns livros que me acompanhavam desde que eu chegara ali. Já os havia lido e relido várias vezes, seria difícil deixá-los para trás, mas não sabia para onde iria e não poderia carregá-los comigo por mais que me doesse abandoná-los ali.

— Não esquece uma blusa de frio. — Celeste tocou o meu ombro para que eu olhasse para ela.

— Tudo bem.

— Vamos pegar os enlatados.

— Sério? — Torci os lábios.

— São os que duram por mais tempo e não precisamos preparar. Serão a nossa melhor alternativa quando sentirmos fome.

— Você tem razão.

Juntamos o que podíamos em duas sacolas para cada. Trocamos de roupas, para algo que nos protegeria do frio, por mais que dentro do porão estivesse quente e eu suasse cada vez mais com adrenalina do momento.

— Agora precisamos achar um jeito de sair daqui.

— As janelas? — Fui até uma delas e tentei chacoalhar as grades, mas estavam muito firmes e nem com toda a minha força parecia ser possível abri-las.

— Não vamos conseguir passar por elas. — Celeste balançou a cabeça.

— Acredito que não podemos fazer buracos na parede com talheres de metal. — Mordi o lábio inferior num ar pensativo.

A ideia de fugir, que parecia mais simples a primeiro momento, logo foi se mostrando muito mais complexa.

— Não vamos conseguir. — Soltei o meu corpo na cama.

— Deve ter alguma forma. — Minha irmã se sentou ao meu lado, ainda não havia entregado os pontos assim como eu.

Respirei fundo, cruzando os braços.

— Será que conseguimos tirar os pinos? — Virei-me para ela.

— Pinos? — Minha irmã arqueou uma das sobrancelhas sem entender ao que eu estava me referindo.

— Vi em um livro uma vez que eles abriram a porta tirando-os através das dobradiças.

— Como?

— Usaram algo para empurrar o pino e outra para bater. Precisamos de algo redondo e duro que passe no buraco da dobradiça.

— Acha que o cabo da colher de chá dá?

— Vamos tentar. — Eu me levantei para ir até a cozinha e abri a gaveta de talheres, pegando a que Celeste havia se referido e o martelo de carne.

Voltamos para a porta e eu posicionei a colher embaixo da peça. Minha irmã começou a bater nela com o martelo e devagar o pino foi subindo até que caiu no chão. Nós vibramos e fomos para o próximo, até que conseguimos tirar todos.

— A porta nem saiu do lugar. — Celeste ficou olhando para ela.

— Vamos ter que empurrar.

Ela concordou com a cabeça.

— Eu conto até três.

— Certo.

— Um... dois... três.

Quando parei a contagem, corremos com tudo para cima da porta e batemos com o ombro nela, que tombou para frente e acabou abrindo uma pequena passagem no lado das dobradiças.

— Conseguimos! — Vibrei.

Celeste colocou o dedo sobre a boca e fez um sinal para que eu ficasse em silêncio.

— Ele pode estar em algum lugar lá em cima.

Indiquei as nossas sacolas que estavam sobre a mesa da cozinha e voltamos para pegá-las antes de passarmos pela abertura que havíamos criado para o mundo real.

Passamos muito tempo distantes e não sabíamos o que iriamos encontrar.

Prometida para KillianWhere stories live. Discover now