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Olhando aquela bela flor amarela, Darcy pensava...
Não em como a vida havia mudado rápido. Não em como havia levado seu marido e seus pais tão de repente e sem explicações.
Pensava na manhã daquele mesmo dia, quando o homem de armadura, sobre um cavalo castanho que trotava na terra úmida, havia passado por alí...
Por um segundo, lembrava-se, ele havia olhado para a jovem.
E era belo, era um homem nobre.
Um homem que talvez nunca se interessasse por Darcy, uma mera camponesa...
"Você não é bela, Darcy."
Suspirou, sentada sobre uma pedra, olhando aquela flor.
Era simples, mas bonita.
A moça gostaria de se sentir assim, bela como uma flor.
Levantou-se quando notou que precisava voltar ao trabalho. Caminhou, silenciosa, de volta para a cabana. Era perto do meio dia, e o sol estava forte, marcando sua sombra no chão. No caminho de volta para casa, não podia deixar de sentir os olhares sobre si, vindos das portas das cabanas espalhadas por perto.
A pobre viúva e órfã...
Não gostava de ser chamada assim.
Os olhos traziam alguma pena.
Entrou na cabana, e deveria acender o fogo. De longe, atirava uma pequena brasa e, com um sobressalto, se afastava ainda mais.
Depois, colocava a água para aquecer sobre a chama.
Era uma rotina, uma que seguia desde que vivia sozinha, e até um pouco antes disso, ainda no casamento.
Em vários instantes, se pegava pensando naquele cavaleiro...
Talvez devesse pensar no por quê daquele homem estar alí.
Seus vizinhos haviam dito que ele não era um bom sinal. Se alguém das terras do Fogo estava nos campos da Terra, implicava que havia uma guerra iminente.
Não queria acreditar nisso.

-

Voltou às tarefas habituais após o almoço.
Cuidar do solo para o plantio...
Enquanto o fazia, abaixada, com as mãos sobre a terra, imersa nos próprios pensamentos e lembranças, o grande cavalo parou a sua frente.
Demorou a olhar para cima, um tanto apreensiva, mas o fez.
E o jovem cavaleiro estava alí, olhando-a.
-Bom dia, minha senhora.
-Bom dia - Tentou soar fria.
Ele cuidava que o cavalo não saísse do lugar, ainda encarando-a.
-Meu senhor ficará hospedado na casa de Sor Terracota. Ele não tem lugar para mim. Mas vejo que você tem uma cabana, e que está sozinha desde hoje de manhã. Tem um marido em viajem?
Negou, os olhos brilhando.
-Não, senhor. Gostaria de estar abrigado nela pela noite?
-Eu agradeceria.
Darcy se levantou, limpando as mãos no avental. Arrumou também os cabelos loiros, e indicou a cabana, ao lado da qual um cavalo magro pastava, atado à madeira.
-Pode deixar seu cavalo amarrado na pilastra, com o meu.
Ele a seguiu, ainda sobre o animal.
A jovem entrou, e o homem, depois de descer do cavalo e amarrá-lo ao poste, a acompanhou.
-Aliás, Darcy.
-Kiran.
-É verdade que você veio dos desertos do Fogo?
-É sim.
Ela andava pela cabana, colocando água para ferver o jantar, e arrumando a pequena mesa.
-E é verdade que há uma guerra?
-Não, não... Não ainda - Ele se ajeitou contra a parede, observando-a - Não há motivos para se alarmar.
-Você disse "não ainda".
-Desculpe.
Ele parecia se desculpar por decepcioná-la, ou entristecê-la.
-Tudo bem. O que você prefere, sementes-da-terra ou feijões?
-Faça feijões.
Não gostava de receber ordens. Então preparou as sementes-da-terra.
Mas ele viu, e sorriu, apenas. Talvez gostasse de mulheres com atitude.
-Escuta... Você é mesmo sozinha?
-Sim.
-Não tem filhos?
-Não.
-Oh... Entendo.
Um silêncio longo se fez entre ambos, até que o jantar estivesse pronto. Comeram, sem dizer muito, embora Darcy tivesse perguntas demais a serem feitas. Queria saber como eram os desertos, o que eles costumavam comer, se tomavam banho com frequência.
Mas tudo o que conseguia fazer era perder-se na beleza dele. Em seus olhos, em seu jeito.
E ele, sutilmente, a espiava por vezes. E depois desviava o olhar, como se não houvesse feito nada.
Depois de terminarem o jantar, ela retirou os pratos, colocando-os sobre o balcão. Lavaria no rio no dia seguinte.
Então, preparou a cama, enquanto ele ainda a fitava, sentado à mesa.
-A senhora quer um momento para se trocar?
Ela o encarou.
Quase inexpressiva... Piscando algumas vezes.
Ele se levantou. Aproximou-se, tocando seus cabelos.
A luz da lua se unia à do fogo sutil que ainda crepitava levemente, aquecendo o ambiente.
Até mesmo a brisa parecia diferente, roçando suavemente, quando passava por entre as vigas de madeira.
Os sons da noite eram doces, os grilos, os gemidos.
A temperatura, mais aconchegante do que as noites vazias que passava só...
O toque de um homem do Fogo, quente e acolhedor, como a chama de uma lareira em que podia aninhar-se por perto...

-

Terracota encarou Rolland.
-É você veio pedir ajuda?
-Sim...
-Então, devo me preocupar com uma guerra iminente?
-Senhor, é muito difícil prever isso. Pense assim, se você estiver aliado a nós, é muito mais difícil que uma guerra desponte.

-

Pela manhã, era hora de Kiran deixar os campos da Terra.
Quando acordou, ainda a sentia a seu lado. Acariciou seu rosto, beijou sua testa.
-Está se despedindo? - Ela perguntou, como se estivesse desperta há mais tempo que Kiran.
-Não queria...
Ela assistiu o amado deixar os campos, uma lágrima rolando pela face.
Uma lágrima que se apressou em secar, antes que os vizinhos vissem.
Por que a viúva derramava uma lágrima por um cavaleiro que vira apenas por um dia? E a quem cedera sua casa?
Voltou ao trabalho pouco depois.

-

Passara-se mais de um mês, e a camponesa não esquecera o cavaleiro. Ainda sonhava com ele, e acordava mais leve.
Sentia os olhares de reprovação dos vizinhos e os ignorava.
Talvez nunca mais visse Kiran...
Levou as roupas para o rio, pronta para lavá-las... Mas sentou-se, em silêncio, diante dos tecidos limpos.
Encarou-os por o que poderia ser um minuto, ou uma hora.
E então se levantou, recolhendo-os, e seguiu para a cabana. Tomou um saco de grãos e atou ao próprio cavalo, do lado de fora.
Anoitecia.
Não havia ninguém olhando.
Subiu no animal, e disparou na direção da fronteira vulcânica entre Terra e Fogo.

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⏰ Last updated: Sep 12, 2021 ⏰

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