U: i'm sick of faking diary entries

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Lucy passara sua adolescência toda se sentindo um tanto invisível no meio de sua família e amigos. Na verdade, "apagada" talvez fosse uma palavra melhor para descrever seus sentimentos; ela estava lá, as pessoas lhe enxergavam, mas era como se ela fosse uma pessoa existindo em tons de cinza num mundo repleto de cores.

Ela não se importava muito em ser diferente. Não era boa em quadribol como James ou Lily, nem tinha notas excepcionais como Rose ou Victoire. Não era ruiva como sua irmã ou seus primos, muito menos loira como os filhos de tio Bill — seus cabelos curtos e castanhos, vindos de sua mãe, seriam considerados tão normais em qualquer outra situação, mas eram vistos com estranheza quando ela andava junto dos outros Weasley.

Lucy não tinha grandes ambições de conseguir um emprego no Ministério, no St. Mungus, ou até mesmo fora da Grã-Bretanha. Tudo o que ela queria era viver em um chalé nas montanhas da Escócia, escrevendo suas histórias, como sempre gostara de fazer, sem fama, olhares curiosos ou perguntas sendo feitas o tempo todo.

A única coisa que verdadeiramente lhe incomodara durante toda a adolescência, os anos em Hogwarts e até mesmo a perseguindo até o começo de sua juventude, já que agora ela tinha vinte e três anos, era como todos apontavam como era estranho que ela nunca tinha namorado ninguém. Não; o que lhe incomodava era que ela nunca tinha sentido nem menos vontade de namorar alguém. Ou ir a um encontro. Ou beijar.

Parecia algo tão natural para todos! Scorpius e Rose começaram a namorar depois de agirem como namorados por meses, Roxanne e Luke eram feitos um para o outro, James estava sempre com garotas, assim como Dominique, e até mesmo Molly encontrara uma namorada enquanto estava com tio Charlie na Romênia durante o verão. Lucy não entendia que sentimentos levavam as pessoas a se apaixonarem, a terem vontade de dividir uma cama e uma vida com alguém, a quererem beijar bocas estranhas. Não fazia sentido para ela.

Ela tentara se encaixar, claro, como sempre fazia com as outras coisas que a faziam se sentir estranha, mas aquilo era diferente demais. Tentara sair com Edward Leclerc, da Lufa-Lufa, no sétimo ano, e até mesmo o beijara algumas vezes, mas não parecia certo. O rapaz era doce, ela gostava de suas conversas, e ele dizia até que seus olhos eram lindos, mas a sensação de seus beijos e lábios molhados não despertava nada dentro da garota, como suas amigas sempre diziam que iria acontecer quando ela encontrasse a pessoa certa.

Também havia tentado conhecer melhor algumas garotas depois de formada, por conselho de Molly, mas a experiência havia sido tão decepcionante quanto. Ela não sentia borboletas no estômago, mãos suadas ou um rufar de tambores em seu peito. Tinha amigos muito próximos, amava eles do fundo de seu coração, e era até mesmo uma pessoa carinhosa, que gostava de abraços, mãos dadas e cafuné, mas aquilo não significava que ela se sentia atraída por nenhum deles.

Aos vinte e poucos anos, Lucy se sentia perdida e achava que estava quebrada. Não era hétero e apaixonada por pessoas de outro sexo, como James, nem lésbica, como sua irmã, e muito menos bi ou pan, como Dominique ou Louis. Sentia como se estivesse à deriva num mar escuro e gelado sempre que lhe perguntavam sobre namorados, ir a encontros casuais, sair atrás de pessoas para beijar. Talvez Lucy já tivesse vindo ao mundo defeituosa, e se sentia exatamente como fósforos que estão úmidos e não conseguem causar faíscas. Nada lhe causava faíscas.

Bem, não exatamente. Ninguém lhe causava faíscas. Ela tinha suas paixões, elas só não respiravam e tinham pés, mãos, braços e pernas. Lucy era apaixonada pelo cheiro de pergaminhos antigos que contavam contos extraordinários, pela sensação da tinta escorrendo entre seus dedos quando enchia demais sua pena, pelo som de máquinas de escrever que ficava preso em sua cabeça o dia inteiro. Lucy era apaixonada pelo cheiro da grama antes de chover, pelo vento com cheiro de maçã que vinha do pomar de sua avó na primavera, pelo calor em seu ventre quando viajava para um lugar novo.

Too Damp for a SparkWhere stories live. Discover now