Capítulo 22: Terras Bruxas.

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Me ajeitei na cama, observando Noah se deitar do outro lado, com uma tranquilidade irritante. Me virei para um lado e ele para o outro, ficando de costas pra mim. Engoli em seco quando o quarto ficou silencioso e parcialmente escuro, me deixando ouvir apenas as batidas do meu coração. Me remexi, abraçando o travesseiro e ouvindo o farfalhar da coberta atrás de mim.

—Você é bem ligada a Sophia, não é? Veio até aqui, sem medo de conhecer um mundo novo todo mágico. —Noah murmurou baixinho, me pegando de surpresa. —Sua família não vai ficar preocupada de você sumir assim do nada?

—Ah... —Me ajeitei na cama de novo, me sentindo sem graça. —Eu não tenho família. Só tenho a Sophia. Por isso vim até aqui. Ela é importante demais pra mim. Não posso perdê-la.

—Sinto muito. —Ele soltou, parecendo também sem graça por ter feito aquela pergunta. —O que aconteceu? Quer dizer... não querendo ser intrometido. Mas estamos aqui, olhando pro escuro, indo atrás dos nossos amigos que estão perdidos juntos.

—Perdidos? —Soltei uma risada e ouvi ele rir atrás de mim também.

—Perdidos é modo de dizer. Mas então, o que aconteceu? —Indagou, soando um pouco curioso.

—Hm, bem, eu não sei quem é minha família. Se eles me queriam, se não me queriam, se eu fui um erro ou qualquer coisa. Eu fui deixada na porta do orfanato quando ainda era um bebê. Passei minha infância toda e adolescência lá. —Dei de ombros, ouvindo o som da respiração dele. —Por algum motivo ninguém nunca quis me adotar. Azar meu, eu acho. A Sophia chegou lá quando tinha 10 anos, depois que perdeu os pais em um acidente de carro. Nos tornamos inseparáveis com o tempo. Ela é a única família que eu tenho hoje.

Noah ficou em silêncio e eu me senti subitamente constrangida por falar tudo aquilo pra ele. Mas então o colchão afundou atrás de mim, enquanto ele se virava na minha direção. Não tive coragem de me virar também para encara-ló. Apesar de querer, eu tenho uma estranha mania de dificultar tudo. E percebi que adoro fazer isso com Noah.

—Sinto muito por isso, bruxinha. —Murmurou, me fazendo revirar os olhos ao ouvir o apelido, ao mesmo tempo que abria um sorriso. —Vou te ajudar a encontrá-la. Harry sabe se virar muito bem nas Terras Bruxas, então sei que eles estão bem e que ele vai cuidar dela.

—Isso eu tenho certeza. —Afirmei, mordendo o lábio ao pensar nos dois juntos, sozinhos naquele lugar. —Contei sobre mim. Agora me conte sobre como você congreguei o príncipe, sendo um bruxo que quase todos odeiam.

—Uma pergunta e tanto. —Ele riu e eu me segurei para não virar e encara-lo. —Meu pai era um súdito de Del Mar e minha mãe uma bruxa. Não sei ao certo como aconteceu pra eles ficarem juntos. Meu pai não falava muito dela. Sei que eles se amavam e ela morreu quando eu nasci. Ele cuidou de mim sozinho. Quando eu tinha 15 anos ele ficou doente e acabou partindo.

—Oh, sinto muito. —Soltei o ar com força, fechando meus olhos, enquanto sentia uma sensação diferente no ar. —Parece que nós dois não tivemos muita sorte, não é?

—Pois é. Mas você encontrou a Sophia. Eu encontrei o Harry. Antes mesmo do meu pai morrer eu comecei a procurar emprego para ajudá-lo. Mas ninguém queria trabalhar com um bruxo. —Prosseguiu, respirando fundo. —Um dia eu estava em uma loja, tentando conseguir um emprego, e o dono me jogou no meio da rua, quando eu implorei pra ele me contratar. Meu pai já não conseguia mais trabalhar nessa época e eu queria ajudá-lo com o que pudesse. Nesse dia, Harry estava passando na frente da loja. Ele viu tudo acontecer e desceu do seu cavalo branco para me salvar.

Soltei uma risada, ouvindo ele rir atrás de mim. Sem conseguir me conter, me virei na cama, vendo Noah encarando o teto, parecendo pensativo.

—Ele me levou pra trabalhar no castelo. Era um trabalho simples, ajudando a cuidar dos jardins. Mas então, um ano depois meu pai se foi. —Ele parou de falar, engolindo em seco. —Pensei que Harry me mandaria embora, já que os pais dele não gostavam nem um pouco de mim. Mas quando fiquei sem ter aonde morar, ele me trouxe para o castelo e me deu um novo trabalho, sendo seu braço direito.

—Você vivia no castelo até os pais dele te expulsarem, quando chegamos aqui. —Afirmei, e ele concordou com a cabeça. —Mas vai voltar pra lá assim que o Harry retornar.

—Isso não é importante. Mas sim, eu vou. —Murmurou, deitando a cabeça de lado no travesseiro e olhando pra mim. —E você vai voltar pra sua dimensão, bruxinha.

—Eu vou. —Concordei, enquanto nenhum de nós se movia, quebrando aquele contato visual, onde nós dois parecíamos ver bem mais do que éramos um no outro.

[...]

Abri os olhos com a primeira luz se infiltrando pelas frestas da madeira que formavam a parede da cabine atrás da cama. Quando olhei para o lado, vi que Noah já havia acordado e saído dali.

Me levantei a contragosto, sentindo que um carro havia passado em cima de mim. Não tinha conseguido dormir bem. Primeiro porque Noah estava dormindo ao meu lado. Segundo porque o navio não parava de balançar, me deixando um pouco enjoada.

Olhei pela pequena janela que havia, vendo que já estávamos atracados no porto de uma cidade. Não demorei pra perceber que estávamos nas Terras Bruxas.

—Katie? —Olhei para trás, vendo Noah aparecer na porta, segurando uma capa nas mãos e com uma expressão tão cansada quanto a minha. —Pronta, bruxinha?

Caminhei até ele, pressionando os lábios para não sorrir, enquanto ficava de costas e deixava que ele colocasse a capa em mim. Me virei pra ele, amarrando um laço na frente, vendo ele me observar com as sobrancelhas erguidas.

—Elas estão atrás de mim também, então temos que tentar ser os mais discretos possíveis. —Ele segurou minha mão, colocando uma faca na minha palma e apertando minha não fechada ao redor dela.

—Vamos caçar algumas bruxas? —Indaguei, com ar sarcástico, fazendo ele rir.

—Use apenas se for necessário, okay? —Ele puxou a capa sobre meus cabelos, me fazendo engolir em seco pela proximidade. —Apesar de eu achar que você tem uma cara de quem mataria uma bruxa sem pensar duas vezes.

—Eu mataria, se fosse pra salvar a minha vida. —Afirmei, e ele tombou a cabeça de lado, abrindo um sorriso maior.

—Vamos caçar algumas bruxas então. —Murmurou, segurando minha mão e me puxando para saímos dali.


Continua...

A Dimensão Das Estrelas / Vol. 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora