Prólogo

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Lorena apanhou o papel do exame e o dobrou com cuidado, colocando-o na bolsa novamente. Já havia o retirado e guardado por três vezes, até conseguir acreditar que aquilo estivesse acontecendo mesmo. Deveria estar apavorada, nervosa, até triste; porém, estranhamente, estava feliz. Era um sonho que teria seu grande desfecho, ou início. Sorriu, ao pensar nisso.

O ônibus dobrou a esquina, espantando seus devaneios e ela fez o sinal com receio de que ele passasse direto. Não que acontecesse com ela, visto que era jovem e bonita, mas sempre via os motoristas ignorando as senhoras que esperavam uma vida para que os malditos simplesmente fingissem não as ver e passassem direto. Suspirou, assim que entrou no ônibus, pelo menos ele estava vazio, o que era um milagre, assim poderia ir sentada até o seu destino. Até cogitara pegar um táxi, como nos dias anteriores, já que ultimamente era esse o modo que se deslocava; um costume um tanto caro, considerando seu trabalho como auxiliar administrativa. Mas, tal gesto era incentivado pelo namorado que dizia que o importante é que ela estivesse confortável.

Na verdade, deveria ter ligado para ele. Afinal, Otávio era um cavalheiro e não veria problemas em buscá-la, ainda mais se soubesse que ela enforcaria o dia de trabalho. Talvez ficasse um pouco assustado em vê-la em um hospital, mas ela diria que fizera exames de rotina e tudo ficaria bem. Talvez, nem voltassem para o apartamento dele. Otávio gostava de motéis caros e graças a ele conhecera a maioria daqueles que ficavam na Ricardo Jafet, uma avenida famosa, perto da casa dele. Sorriu novamente, ao imaginar que antes dele, nem motel frequentava. Carlos, seu ex-namorado era um homem antiquado e achava que moças de família não deveriam frequentar lugares como aquele. Tanto tempo ouvindo algo assim, acabou acreditando.

Já acomodada no banco, num impulso passou a mão sobre a barriga, como se já pudesse sentir algo. Se o seu namorado ainda fosse o Carlos, estaria com problemas. O homem era machista, ciumento e não admitia nada, nem ninguém entre eles. Quisera afastá-la de sua família e de suas amizades, femininas e, principalmente, masculinas. Toda a atenção tinha que ser dedicada a ele.

Lorena aguentou o primeiro ano de namoro, achando que ele melhoraria. Mas, quando viu que isso não aconteceria, deu um basta no relacionamento e foi quando conheceu a verdadeira natureza do ex-namorado. Ele levou quase o mesmo tempo de namoro tentando reconquistá-la e protagonizando cenas horrorosas na porta de sua casa ou de seu trabalho. Por bem pouco não foi demitida por causa dos escândalos que ele fez. Felizmente não era violento, caso contrário, teria problemas sérios.

Após um percurso de quase trinta minutos, Lorena sorriu. Era hora de descer e ver o homem que tinha tornado seus dias melhores. Aquele que a fizera se esquecer do relacionamento tumultuado com Carlos e que era capaz de lhe dizer as coisas mais bonitas que já ouvira. Tinha quase trinta anos e apenas com ele sentira-se plenamente realizada. Quando estava nos braços dele, todas as coisas pareciam boas e os problemas simplesmente desapareciam.

Desceu do ônibus com o coração aos saltos. Fazia exatamente oito meses que estavam saindo e hoje seria como a primeira vez novamente que o vira naquele elevador. Estava tão absorta em seu trabalho que nem o percebera. E, além do mais, homens como ele não olhavam para garotas como ela. Pelo menos, era o que achava, até ele puxar assunto e, antes que a porta se abrisse em seu andar, perguntar se poderiam tomar um café juntos... Por mais recatada que fosse, ela aceitou. E agora, mesmo quando seus pés tocavam o chão, andava nas nuvens.

Chegou à portaria do prédio e sorriu para o porteiro, o senhor Alencar, um homem magro e alto, já passado dos cinquenta, idade evidenciada pela cabeleira rala. Ele pareceu não a ter notado, pois não destravou a porta para que ela entrasse. Acenou novamente. Só assim ele apertou o botão e Lorena pôde abrir o primeiro o portão. Entrou com passos decididos e parou na guarita.

Projeto Don Juan (Degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora