Que coisa horrível de se escrever : " a aparência de Jane é de quem vai morrer " - mas é ainda pior ter esse pensamento rondando sua cabeça a cada minuto .
Estou aqui sentada neste dormitório frio olhando para Jane . A única luz iluminando é a que vem da rua , mas é o suficiente , já que sua cama fica perto da janela . Consigo ver seu rosto , está muito vermelho ; tem estado assim nesses últimos dias . Ela tirou a touca de dormir e seus cabelos cacheados e negros estão estatelados , mas não há nadade Jane naquele olhar fixo . Ela olha para mim , mas não me reconhece , apenas continua murmurando com seus lábios inchados e rachados . Sua pele queima de quente quando a toco . Está ardendo em febre . Becky , a ajudante de cozinha , teve essa febre no mês passado , mas recuperou-se após alguns dias .
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No entanto , Jane não está se recuperando.
E eu estou apavorada.
A sra Cawley é a dona da escola . É responsável por todas nós. Por que não cuida de Jane ?
Ela não quer falar de Jane e do quanto está doente. Quer fingir que a doença não está acontecendo.
Nem aparece no dormitório.
Apenas manda a Becky.
Becky está apavorada também. Pude ver em seu rosto esta noite enquanto tentava fazer com que Jane tomasse um pouco do remédio que o médico lhe deixou.
Sei que devo fazer alguma coisa. Não adianta ficar aqui sentada , olhando para Jane , escrevendo algumas frases no meu diário e depois olhando para ela outra vez. São onze horas da noite. A casa está silenciosa, é claro , porque a sra Cawley nos obriga a dormir cedo para economizar no fogo e nas velas. Todas as meninas no dormitório estão dormindo , menos eu - Jane continua ardendo em febre e sua respiração parece a matraca do guarda-noturno.
Estou assustada. Implorei à sra Cawley que avisasse os pais de Jane. Minha tia Austen saberá o que fazer ; lembro-me de minha mãe contando o quanto sua irmã era boa enfermeira - que tinha prateleiras cheias de remédios em sua despensa. Tenho certeza de que Jane ficaria melhor se a mãe dela estivesse aqui. Não confio no médico que vem todos os dias. As unhas das mãos são sujas e ele mal se aproxima de Jane para saber o que há de errado com ela. Só continua deixando garrafas de uma substâncias que cheira a água de alcatrão com alguns pedaços de ervas secas flutuando nela.
A mãe de Jane precisa vir. A mãe de Jane precisa vir. A mãe de Jane precisa vir.
Então escrevi para ela. Consegui escrever a carta hoje mais cedo, quando tivemos estudo silencioso em nossos dormitórios enquanto as empregadas limpavam os cômodos da escola. Até conseguir roubar um pouco de lacre da mesa da sra Cawley e usar a vela para derretê-lo , sem que ninguém percebesse. Fico revirando a carta em minhas mãos. A folha cuidadosamente dobrada está começando a ficar suja e o lacre que a mantém fechada irá quebrar e cair se eu continuar manipulando a folha. Mais uma vez leio o endereço que escrevi nas costas da folha com minha melhor caligrafia :
Sra G Austen
Paróquia Steventon ,
Steventon ,
Hampshire
Hoje mais cedo tentei convencer Becky a levar a carta ao correio para mim , mas ela estava com muito medo da sra Cawley. Becky ouvira a sra Cawley gritando nervosa comigo quando mencionei escrever para a mãe de Jane. Só resta então uma coisa a fazer...
Acabei de me aproximar da janela pela terceira vez desde que concluí meu plano. As ruas ainda estão bem iluminadas e barulhentas. Um jovem soldado de casaco vermelho , com uma espada presa na cintura , acaba de passar. Penso em Jane me contando que seu irmão quer entrar para o exército. Se pelo menos alguém de sua família estivesse aqui ! Há multidões nas ruas , mas não conheço ninguém. Terei de fazer isso. Jamais me perdoaria se Jane morresse aqui neste dormitório horrível em Southampton e sua mãe não estivesse ao seu lado durante os últimos momentos.
Devo tanto a Jane.
Não sei o que teria acontecido comigo nesta escola horrorosa se não a tivesse como minha melhor amiga.
O frio , a falta de comida e a miséria do local me deixariam com tuberculose. Tenho certeza.
Teria morrido ou enlouquecido.
Todos os tipos de imagens passam por minha cabeça : Jane , no dia em que chegou aqui , rindo do dormitório horrendo enquanto eu sentia apenas vontade de chorar porque meu irmão e a esposa me trouxeram para cá. Posso ouvi-la afirmando em voz alta que o lugar cheirava à morte , exigindo saber onde estava o vampiro e gracejando a respeito do mofo enorme no canto do quarto.
Jane zombando dos professores quando eles ralhavam e castigavam - sabe , Jenny , a sra Nash é uma mulher de tamanha elegância e beleza ; com exceção do fato de ela andar igual a uma pata-choca e ter o rosto parecido com uma batata esmagada...
Jane me defendendo quando Lavinia zombou de meu vestido , fingindo que bebia em segredo...
Jane me contando histórias de sua família - seus cinco irmãos e uma irmã , Cassandra - para me distrair da fome e do frio...
Jane persuadindo a cozinheira a encher uma garrafa com água quente para aquecer minha cama quando eu estava muito resfriada...
Jane saindo de mansinho pela porta da cozinha e subindo as escadas do porão correndo para comprar algumas tortas quentes do vendedor para nós duas...
Jane lendo , em voz alta , suas histórias de grandes romances , no dormitório à noite... Sobre a garota cuja sorte era ser bonita...
Jane rindo da expressão em meu rosto quando ganhamos uma fatia fina de pão e um copo de leite aguado para a ceia e me dizendo para pensar naquilo como se fosse um jantar com cardápio de sete pratos para uma barata.
O que eu teria feito sem ela ?
Caso aconteça de eu nunca mais voltar , vou deixar este diário debaixo do seu travesseiro assim que a tinta secar. Se eu ainda estiver desaparecida pela manhã , as pessoas ao menos irão saber aonde fui.