O Último Mototáxi de Arapiraca - COMPLETO

#04 - Sobre Tudo

Já era quase 3 horas da manhã. Já não tinha mais lata na minha mesa e eu por pouco não pedi entrega. Meu vô dizia que antigamente mototáxi é que fazia essas entregas. Ele também não pegou essa época.

Legal é que ficamos na mesma mesa a noite toda nós três. Alice faz montagem de histodramas, tá ligado? Aquele tipo de animação retratando momentos históricos. Quanto a Celina, vai saber o que faz da vida... Ela falou tanta coisa do futuro... Eu quero isso, vou aquilo, mas nada sobre o que faz hoje. Posso até estar enganado, mas ela parece que vive de parasitar a coitada da Alice.

- E tu, Gael? Como está seu coração?

- Ah, eu tou de boa. Estou solteiro, mas tenho minha agenda.

- Agenda, é? Ninguém nessa agenda te interessa o bastante pra morar junto não? Você ainda mora sozinho. - Alice começou.

- E é bom morar junto, sabia? - Celina completa, acariciando o cabelo da esposa. - Além de dividir o carinho, dá pra dividir as tarefas, as despesas e outras coisas.

- Nada. Quando achar alguém a gente se junta e pronto. Por enquanto, tá bom assim.

- E nunca pensou num robozinho Xjob não?

Celina que pergunta em tom de riso. Depois as duas se olham e gargalham, juntas. Até parece que eu ia querer transar com um robô.

- No dia que a agenda não funcionar mais e eu tiver na seca por um tempão eu penso nisso.

As duas continuam rindo.

- Então não deixa de ser uma possibilidade!

Celina de novo. Parece tímida no início, mas vá dá liberdade! Espirituosa e tem um sorriso lindo.

- Olha aí. - Ela fala e aponta.

- O quê?

Chegou mais alguém na nossa mesa. Adivinha?

- Não é que ela veio mesmo?

- Pois é, Luna Reforbix. Olha aí, Gael! Ela faz seu tipo não?

- Sinceramente? Conheço ela há um tempão e ainda me confundo com essa história de Luna e Luan! Porra, por que não...

- Oi, boa noite!

- Oi, Luna! Como é que cê tá?

- Um bagaço. Viram a Sidney?

- Claro, ela passou por aqui, mas já deve ter ido embora.

- Verdade.

- Tudo bem com vocês? Como vai a banda?

- Quer saber? - Luna pega uma lata e abre. - Quero falar de trabalho não. Cês podem não acreditar, mas eu tava trabalhando até agora! Quero mais é relaxar um pouco.

- Então aproveite! - Alice responde.

- Você devia sair de verdade, com alguém. - Celina sugere, olhando pra mim. - Um encontro divertido.

- Não por enquanto. Esse é outro problema. Antonia dizia que eu era work-aholic. E eu acho que sou mesmo.

- E quem é Antonia?

- Uma doida. Quer saber? Quero falar dela não também. - E toma mais uns goles. - Se a Mob Dick fizer sucesso, o que não vai faltar é par de coxa se oferecendo pra mim.

- Deus te ouça. - Celina responde, erguendo a lata.

- Mudando de assunto... Vocês ouviram falar que o Lampião foi visto aqui no estado?

- Só pra... ter certeza. - Alice fala calmamente. - Você está em Alagoas agora?

- Claro! Tou falando daqui de casa!

- Mas Lampião não era uma persona? Conseguiu um corpo pra ele?

- Não, Alice, não é o Virgulino! É o outro, o Elétrico! Que começou esse negócio de cangaço!

- Ah, o Elétrico! Luna, você sabe que ele não inventou nada, né? Cangaço é um negócio de uns trezentos anos atrás.

- Sério?

- Claro! Nem sei como foi que isso voltou a ser moda.

- Lá vem tu de novo querendo dar aula... - Celina apoia a cabeça na mão, com o cotovelo sobre a mesa. - Não é tu mesmo que diz que a História repete as coisas?

- É verdade. Mas já pensou se aparece esse povo por aqui? O bando dele já fez um monte de coisa. Tá querendo imitar o do outro Lampião.

- Gente? - Eu chamo a atenção e as três olham pra mim. - Já tá bem tarde, vou indo. A gente se fala de novo depois.

- Falou, Gael! Se cuida.

- Tchau.

- Tchau.

A projeção de mesas cinzentas ao fundo some. Some o som ambiente. Somem as três da minha frente com suas latinhas cinzentas. Agora estou de volta ao meu quarto. O quadro com a foto de um cacto robótico está ali de volta, bem na minha frente. Tenho que mudar essa imagem. Melhor deixar pra depois, sempre que começo com isso eu passo é um tempão escolhendo. Vou é dormir, que já tá tarde mesmo.