II Parte

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      Meu coração erra uma batida com a imagem de Sara poucos metros à minha frente, metida em uma legging preta e t-shirt cinza.

Seu peito sobe e desce rapidamente; a respiração ofegante denunciando que deve ter corrido por uns bons metros. E meu lado iludido ataca novamente, regozijando-se ao cogitar a possibilidade dela ter corrido tanto apenas pra me alcançar.

E, por Deus, ela parece ainda mais linda do que da última vez! Eu nunca pensei que alguém pudesse ficar tão bonita de cabelos soltos um tanto desgrenhados pelo vento, com alguns fios colados ao rosto. E também não sabia que o coração pode fazer tamanha festa quando reconhece outro.

O mundo parece ficar no mudo pelos segundos em que nos encaramos sem dizer uma única palavra, eu limitando-me a tentar ler nos seus olhos o que a trouxe aqui e ela, pela expressão fatigada e lábios entreabertos, parece estar tomando coragem ou recuperando o fôlego para o que quer que vá falar.

No entanto, embora eu espero que ela o faça, é Enrico quem rompe o silêncio.

      — Bem, preciso ir. O dever chama. — puxa a cadeira, dando alguns passos para trás. — Aproveitem o máximo e mandem energias positivas pra Dani por mim.

       — A gente manda sim, querido. —mamãe diz, já que o nó que se formou na minha garganta não me permite dizer palavra alguma. Apenas aceno para ele e abro um sorriso fraco. — Se cuida, tá?

       — Tá certo. Vocês também.

Navaro olha uma última vez para mim, me lançando um aceno sutil de cabeça e um olhar que eu compreendo muito bem. É uma forma de reforçar seu conselho. Desvio o olhar antes que ele se afaste, mas me arrependo no momento seguinte, quando encontro o de Sara. Como sempre, eu não consigo ler o que nele há. Eu aprecio o quão equilibrada ela consegue ser e quase nunca deixar transparecer o que se passa dentro de si, mas nesse momento isso me angustia. Queria saber, nem que por um insante, o que se passa na sua cabeça.

Vejo meu irmão trocar algumas palavras com ela antes de sair andando, e a seguir olho para o lado, e não há mais nenhum sinal da minha mãe.

Por que é que em momentos como esse, todo mundo resolve que sumir é a melhor coisa a se fazer?

Dona Áurea me paga. Poxa, ela é minha mãe! Devia ficar aqui e me dar apoio emocional.

Decido largar a covardia de lado de uma vez por todas e sustentar o olhar da mulher poucos metros à minha frente. Um traço de hesitação atravessa seu semblante, tão rápido quanto uma estrela cadente corta o céu noturno. Pelo menos agora sei que não sou a única pessoa que não sabe como agir nessa situação. Menos mal.

      — Eu... — tento, quando noto que talvez ela não saiba como começar.

Mas ela me interrompe.

      — Eu preciso conversar com você. —outra coisa que preciso destacar sobre Sara Tanaka é que ela é bem direta. Uma pessoa de poucas palavras e bem objetiva sobre o que pretende. — Quer dizer...se quiser, claro. E estiver com tempo.

Involuntariamente olho para trás, onde mamãe se encontra, encostada ao carro e atenta ao celular. Ainda deve estar tentando acalmar minha irmã.

      — Agora? — questiono, coçando a nuca.

      — É.

Suspiro. Por mais que eu queira saber o que de tão importante Sara tem para me dizer, que a fez vir correndo até aqui, mesmo sendo seu dia de folga, tenho a plena consciência de que Daniela espera por mim.

Minha irmã me assistiu durante todo o tempo da minha agonia, e eu prometi que ficaria boa, só para ter o prazer e a honra de vê-la brilhar na Avenida em nome dos Filhos do Atlântico, grupo carnavalesco da nossa família. É extremamente importante para nós duas, então eu não posso, de maneira alguma, deixar de estar. Eu insisti para que ela se inscrevesse e incentivei-a a dar tudo de si nos ensaios, contando com minha presença no grande dia. No caso, hoje.

Amor em Tempo de Carnaval | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora