I Parte

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      De onde estou, posso ouvir mamãe rir alto. Pela quarta vez. Definitivamente, a noção de limites de dona Áurea Reis Castelo só não é mais curta que os meus cabelos.

Eu poderia sair daqui e fazer um longo discurso sobre a necessidade de respeitar o espaço em que nos encontramos, ou talvez perguntar se ela não viu a imagem na entrada, que pede silêncio. Contudo, eu sei que seria nulo e, o máximo que ela faria, seria rir da minha cara, junto de Enrico. Sempre que os dois se juntam, não há quem segure, sobretudo quando resolvem falar mal de mim. E aí é um falatório que não tem fim, bem na minha frente, enquanto tento fingir que não é sobre mim.

Caras de pau.

Enfim, pobre de mim.

Hoje é um daqueles dias que dona Áurea está especialmente mais tagarela, e o enfermeiro responsável por mim não dispensa uma boa conversa, além de adorar minha mãe e, como eu falei anteriormente, me provocar.

Ainda não fui alvo dos dois ao mesmo tempo desde que minha mãe chegou, porque fugi para a casa de banho quando percebi o olhar investigativo dela — o de alguém que parece conhecer todos os seus pecados ou sabe que tem alguma errada com você — sobre mim. Por isso fugi.

Porque, sim, tem algo de errado. Mas eu não quero falar sobre o assunto — seria inevitável se eu continuasse no quarto, pois não sei mentir e ela certamente conseguiria arrancar de mim em dois tempos — e muito menos deixar mamãe preocupada num dia como esse. E bem, hoje é um dia que merece apenas comemorações e eu não pretendo estragar isso.

Mas por que raios essa sensação de que tem algo faltando não abandona meu peito?

Não que eu não esteja feliz. Caramba, estou e muito! Afinal, não é todos os dias que se sai vitorioso de uma batalha em que se entra já prevendo a própria derrota. Ainda que a cura não seja uma realidade, estou satisfeita por estar tudo sob controle, por agora.

Bem, talvez nem tudo, mas isso não vem ao caso no momento.

Reviro a caixinha de brincos nas minhas mãos, procurando por algo decente pra usar e que combine com a ocasião. Algo colorido e que grite que eu estou pronta pra me acabar no Carnaval desse ano. Bem, não exatamente. Corrigindo, pronta pra ver minha irmã se acabar e levar o prêmio de melhor rainha de bateria do Carnaval de Nova Atlanta.

Mesmo que eu saiba que, depois disso, talvez eu vá terminar a noite devorando pipoca e outras besteiras — que eu vou coagir meu irmão mais novo a arrumar pra mim, escondido da nossa mãe, claro —, assistindo séries adolescentes melodramáticas ou filmes água com açúcar, porque, bem, a data de hoje carrega um simbolismo muito maior do que prestigiar minha irmã na Avenida e receber alta.

Hoje faz um ano que conheci a mulher dos meus olhos e do meu coração, e as lembranças de como as coisas chegaram a um ponto final, me deixam um tanto melancólica e com uma vontade insana de chorar. E, pra completar, é dia de São Valentim.

E eu realmente não queria estar assim justo hoje, que estou voltando para junto da minha família.

Eu devia estar soltando fogos e não ter lágrimas nos olhos quando uma correntinha prateada com pingente de lua crescente e uma escritura em japonês, "força e resistência", brilha entre os acessórios. Isso porque não é qualquer correntinha, é a correntinha.

E juro que eu não precisava disso pra me sentir ainda pior, lembrando do dia em que ela ma encaixou no pescoço, ali mesmo no meu leito, leu o que estava escrito e esboçou um sorriso tímido, porém o mais bonito que eu já vi.

Fecho os olhos, sendo capaz de ainda conseguir visualizar perfeitamente o rubor do seu rosto quando envergonhada e a maneira como os olhos se comprimem quando sorri.

Amor em Tempo de Carnaval | ⚢Onde histórias criam vida. Descubra agora