Prólogo

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          Na primeira vez que estive em Paternood, tudo parecia normal. Não que eu fosse acostumada a visitar lugares mágicos nos meus sonhos, longe disso, mas tudo parecia apenas mais uma projeção divertida e maluca do meu subconsciente cansado após mais um longo e tedioso dia de ensino médio.

          Assim como qualquer outro sonho que tive na vida, tudo começou do nada. Em um segundo, eu estava deitada na minha cama, gradativamente caindo no sono e no outro já estava em um lugar que jamais havia visto, com o homem mais alto e barbudo que já conheci na vida me encarando atenciosamente.

          — Desembucha, menina, quem é você? — ele interrogou rude, como se já tivesse feito aquela mesma pergunta pelo menos cem vezes nos últimos minutos.

          O semi-gigante parado à minha frente vestia roupas rústicas que me lembravam as de um camponês e possuía em seus cabelos um tom de loiro tão escuro que poderia ser facilmente confundido com um simples castanho. Olhando-o bem de perto, concluí que ele parecia ser apenas alguns anos mais velho que eu, porém largas marcas de expressão e seu olhar cansado indicavam que já havia passado por diversas experiências fatigantes.

          — É... — eu não sabia o que dizer. — Do que estávamos falando, mesmo?

          — Ora, só te perguntei seu nome. Não te conheço, nem ao menos já te vi por aqui antes, do que poderíamos estar falando? — ele parecia estar se divertindo com minha confusão.

          — Desculpe, eu...

          — Só me diga seu nome, ok? Consegue fazer isso? — ele realmente estava se divertindo com a minha confusão. E muito.

          — Malec. — POR QUE EU DISSE ISSO? Meu nome é Aline! De onde raios eu tirei “Malec”? Isso nem é nome de gente!

          — Malec? — ele repetiu com um sorriso travesso nos lábios.

          — Sim, por quê? Algum problema?

          — Não, apenas não ouço este nome há algum tempo. — aquele mesmo sorriso incômodo continuava lá, estampado em seu rosto.

          — Acho que não existem muitas outras Malecs no mundo. — eu realmente não sabia o que estava dizendo. As palavras saíam desenfreadas pela minha boca antes que eu pudesse inserir a mínima quantidade de nexo nelas. — E você? Quem é?

          — Thales. — ele respondeu, simplesmente. — Eu trabalho aqui.

          — Hum... — aquilo não era informação o suficiente. Eu precisava de mais. — Bom, pode parecer uma pergunta estranha e até mesmo um pouco imbecil...

          — Apenas a faça de uma vez. — Thales me interrompeu, ríspido.

          Este cara estava começando a me irritar de verdade.

          — Onde estamos? — perguntei, assinando de uma vez por todas meu atestado de loucura.

          — Essa é fácil, princesa! — respondeu, zombeteiro. — Estamos em Paternood, no Condado de Maréia. Mais precisamente, na loja de armas do Sr. Zarco.

          — Loja de armas?

          Pela primeira vez, reparei no ambiente ao meu redor. O lugar onde estava era grande, porém mal iluminado. Todas as paredes eram de madeira e estavam cobertas com diversas armas de todos os tipos, incluindo alguns modelos que eu jamais havia visto na vida. Não havia janelas, apenas um pequeno vitral na imensa porta localizada em uma das pontas da construção.

          Uma imensa vitrine a minha direita, feita com a mesma madeira das paredes, exibia facas, espadas e pequenos machados. Ao seu lado, havia um par de cadeiras posicionadas atrás de um pequeno balcão. Ocupando um dos assentos, um homem velhinho e enrugado com um grosso bigode branco — que presumi ser o Sr. Zarco, dono da loja — dormia tranquilamente, com seus óculos quase caindo da face.

          — Sim. — Thales respondeu com estranheza antes de ficar pensativo por alguns instantes. — Oh, acho que já entendi! Você deve ser da Capital. Lá não se usam muitas armas, não é mesmo? Pois bem, se pretende ficar aqui em Paternood, devia aprender a usar uma. Não quero te por medo, mas aqui temos que estar preparados para tudo, se é que você me entende. — ele me lançou um olhar que exprimia a certeza de que eu entendia, sim, o que ele estava querendo dizer.

          Mas eu não entendia. Não entendia absolutamente nada.

          — Ah, claro... Ok. É. — eu ainda não sabia o que dizer. — Acho que vou indo. Tenho que voltar para... Para onde estava antes de... Você sabe, chegar aqui... — Aline, pare de falar! Por favor, só feche essa boca! — É isso. Tchau.

          Thales escancarou, novamente, um enorme sorriso provocativo.

          — Até mais. Foi bom te conhecer, Malec. — algo na forma como ele dizia meu suposto nome me intrigava.

          — Até. — respondi na certeza de que jamais veria aquele homem de novo.

          E isto foi tudo que antecedeu meu despertar da manhã seguinte. Um sonho diferente, mas nada preocupante. Na noite anterior, por exemplo, havia sonhado que eu era um elefante rosa cheio de purpurina. Bem mais estranho.

          Não havia nada de esquisito em sonhar com o tal de Thales, ou até mesmo com aquele lugar, Paternood. Nada de esquisito se eu não voltasse para lá todas as noites posteriores àquela.

          Mas eu volto.

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