Janeiro II

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 Toda a família da minha mãe mora na mesma cidade. É sério. Não sei como isso é sequer possível num país desse, numa época dessas, mas é a realidade. Ela tem três irmãos – uma mulher e dois homens, todos casados e todos com filhos. A mais velha dos quatro é minha tia Inês. Ela só tem uma filha, a Juliana, que também é minha prima mais velha. Ela já está na faculdade, mas parece nem ter saído do jardim de infância. Depois da tia Inês vem o tio Ronaldo, que tem três filhos. Dois deles são gêmeos e são um ano e pouco mais velhos que eu e a Maria. A irmã deles se chama Milena e tem dez anos e é super mimada e irritada. Típico, já que a família nada em dinheiro e não faz questão de que isso seja escondido. Pelo contrário, se é que me entende.

Minha mãe é a segunda mais nova. O caçula, tio Júlio, é um ano e pouco mais novo que ela e casou tem pouco mais de cinco anos, mas já tem dois filhos pequenos. Uma menina de dois anos e alguma coisa e um menino de quatro. Ninguém na família liga muito para métodos anticoncepcionais, é o que parece.

A família da mulher do tio Júlio é muito íntima da nossa, por motivo que desconheço. Então o irmão mais velho dela também está sempre nas festas, e os pais dela também, que devem ter a mesma idade da vovó e até fazem bem pra ela. Mas o tal irmão tem mais três filhos com idades entre seis e onze anos que... vou te falar. A casa parece um zoológico toda vez que eles se juntam à Milena e aos dois pequenos do tio Júlio. É muita criança pra pouco espaço.

Eu sou mais ou menos uma ovelha negra estranha. Não me encaixo em nenhum estilo de vida de nenhum dos meus primos – os da mesma faixa etária, quero dizer. Os gêmeos e a minha prima Juliana, que não é lá tão mais velha. Ela gosta de sair para boates, de fofocar com as amigas dela que cada dia tem um drama pra reclamar. E ela está sempre ocupada em todos os fins de semana, tem sempre uma festa pra ir e mensagens no celular para responder. O gene de popularidade da família deve ter ido todo pra ela.

Se bem que os gêmeos são bastante populares também, pelo menos no nosso colégio. Todo mundo adora as piadinhas deles – as coisas combinantes que eles fazem, como terminar as frases um do outro, ou a própria piada. Mas eles são meio diferentes fora do colégio; continuam piadistas, mas parecem querer impressionar o tio Ronaldo sempre, o que os deixa meio chatos e sem graça. Rafael e Gabriel são os nomes deles. Quando criança nós frequentávamos os mesmos berçários, shoppings, parques, viajávamos juntos... Mas mamãe e o tio Ronaldo brigaram uma vez (por dinheiro, eu acho) e nós ficamos meio distantes.

Não me imagino andando com eles na escola. Eles nem falam comigo, no máximo um cumprimento quando a circunstância exige. As pessoas nem nos relacionam, sabe, em questão de parentesco e tal. E eu acho até melhor assim, não gosto dos holofotes em mim e eles chamam muita atençao quando querem.

Então não é como se quiséssemos, tampouco, a aproximação.

A Maria é minha melhor amiga desde o ensino fundamental. Nos conhecemos na escola, mas descobrimos que frequentávamos o mesmo clube e fazíamos natação juntos também. Não foi amizade “à primeira vista” e não é fácil mantê-la, mas é o melhor que eu tenho. E talvez a única também.

Ela chegou por volta da uma hora com a mãe, de carro. Deu tempo de “fazer a social” que minha mãe queria com todos os meus parentes presentes e ainda receber o presente da vovó – um celular novo! Assim nós ficamos sentados conversando sobre a volta as aulas perto da piscina.

– Como você acha que vai ser? Será que vão nos separar? - ela imaginava. Seu cabelo estava cheio de mechas cor-de-rosa. Maria gosta de colocar essas mechas de acordo com seu humor, no cabelo curto espetado. Era sua marca registrada.

– Vai ter reunião essa semana, não vai? - ela confirmou com a cabeça. - Aposto que minha mãe vai chegar em casa falando pelos cotovelos sobre isso.

Nós rimos.

Um novo ano no colégio era sempre motivo de especulação, mas seria nosso primeiro ano no colegial. Era uma mudança e tanto – passaríamos para os andares de cima da escola, teríamos matérias diferentes, mais tempo no colégio e, dizia o boato, teríamos nossa sala separada em três salas menores. Nossa turma estava junta há mais ou menos seis anos. Isso era uma revolução e tanto, nos separar. Quase como declarar guerra.

Bom, contando que não tirasse a Maria da minha sala, não me importava muito quem ficava ou saía.

– Jura que não se importa? Ah, tá bom, Luiz Eduardo. - ela bufou quando comentei em voz alta.

– É sério. Até parece que você liga se a Natália ou o Carlos estiverem ocupando o mesmo lugar que você por pelo menos cinco horas do seu dia.

Ela revirou os olhos. Depois da experiência fracassada que ela havia tentado no natal de se aproximar dos dois mais populares da nossa sala, a Maria havia ficado com certo nojo só de ouvir os nomes deles.

– Eles que morram. - ela fez uma careta. - Mas você com certeza vai se importar se eu for para outra classe!

Ela disse como se não quisesse nada só pra ver se a gente ia entrar naquela fase de um tentar consolar o outro dizendo coisas do tipo “você sabe que é verdade”, ou ainda “nós só temos uma o outro”, “somos inseparáveis” e blablablá. Dei de ombros.

– Tanto faz.

Ela fez um muxoxo, mas riu logo em seguida. A gente não conversava muito sobre outros assuntos ultimamente. Era sempre sobre trivialidades. Mas a Maria era minha melhor amiga, ela sabia quando dar corda e quando puxá-la. Sabia quando me fazer falar ou calar. Então ficamos nessa lenga-lenga o resto do domingo. Comemos bolo, cantamos parabéns e terminei meu aniversário bem do jeito que eu queria: sem nenhuma confusão, sem ninguém desagradável por perto (quase, já que o bando de crianças barulhentas estava de fato ali).

Bom, quase do jeito que eu queria. Se eu pudesse, convidaria só mais uma ou duas pessoas. Mas isso ia ter que ficar pro ano seguinte – ou pra quando a minha coragem falasse mais alto e eu e a Maria começássemos a tocar em outros assuntos que não girassem em torno do nosso mundo de amizade perfeita. Afinal, a gente sabe que essa mudança de ares, de ciclo escolar e tudo mais também significava muitas outras coisas.

Significava, por exemplo, garotos e possivelmente garotas que nós não queríamos ter que lidar agora. Pelo menos não eu. Não agora.

A ideia me assustava demais.

Mas bem. O ano estava só começando, mas eu criar coragem e a gente trocar de assunto eram duas hipóteses que aparentemente iam demorar a acontecer.

Aprendendo a Gostar de Garotos {Aprendendo I}Onde as histórias ganham vida. Descobre agora