Atormentando Pilar

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Olhos azuis como o céu de julho. Nunca tinha visto olhos como aqueles. Me hipnotizavam e tiravam meu fôlego. Ah, aqueles olhos, não pareciam ser deste mundo, foi o que pensei logo que a vi. Mais uma vez eu os encarava, talvez pela última vez. Em apenas um dia o meu fascínio havia dado lugar a uma ira profunda. Ali estava ela, presa sob o peso do meu corpo naquele chão salpicado pelas sujeiras dos pombos e mendigos que infestavam aquela área da cidade. Com minhas mãos apertando seu pescoço, criando profundos sulcos em sua pele.

— O que você fez? Que maldição colocou em mim?

— Não fui eu. Não fiz nada. Ainda não compreendes aquilo em que te tornaste?

— Maldita hora em que resolvi mudar o caminho e te conheci. Que maldição é esta que você jogou em mim, cigana?

— Tu és a maldição! A minha maldição! A minha derrocada!

— Não sei o que você fez, mas quero que retire de mim agora mesmo — disse eu, apertando ainda mais forte sua garganta.

Seus olhos aos poucos foram tomados por um tom avermelhado, seguido de lágrimas que brotaram descuidadas. Como esses malditos olhos ainda são tão belos. E como ainda me causam tamanha atração, mesmo agora. Fazem com que eu me sinta um sádico. Ela tentava se soltar, mas já ficava quase sem forças. Controle-se! Não passe dos limites. Não antes de saber como se livrar desta praga. E só ela pode ajudar. Afrouxei as mãos um pouco e observei-a respirar fortemente, seu peito se enchendo de ar. Uma respiração rápida e profunda. As lembranças do dia anterior invadiram minha mente sem pedir licença.

Por que ela me olha com tamanho asco? Foi meu primeiro pensamento quando finalmente criei coragem para me aproximar. De início achei que fosse pelas cicatrizes. Mesmo assim cheguei bem perto e deixei meus ouvidos se ocuparem daquela voz. Uma voz suave, embora um pouco trêmula. Segurava a mão enrugada e cheia de calos de uma velha, me olhando vez ou outra pelo canto dos olhos. Mas não me olhou diretamente sequer uma vez.

Encerrou a consulta com a velha e mais que depressa começou a juntar suas coisas para sair, ainda fingindo não me ver. Sentei-me na cadeira de plástico precisamente colocada sob a sombra da pequena árvore retorcida que surgia em meio ao amontoado de edifícios. Abri um amplo sorriso. Talvez assim eu pareça menos assustador.

— Quero saber o meu futuro — foi o que saiu, tão improvisado quanto o meu sorriso no canto da boca. 

— Já terminei por hoje — respondeu secamente, e se levantou depressa.

Segurei-a pelo braço. Ela se virou assustada. Agora um tom rosado inundava sua feição, como o céu no fim de uma tarde que antecede uma noite fria. O presságio de tempos ruins, agora sei.

— Já disse que terminei por hoje — falou com a voz firme, desvencilhando-se da minha mão.

— Mas é só uma consulta rápida, cigana. Quero saber se terei alguma sorte. E já lhe adianto que espero que a resposta seja positiva, pois os últimos tempos foram um tanto conturbados.

Relutante, ela pegou minha mão. Dedos longos e finos, ainda assim delicados. Permaneceu de pé, com os olhos fixos na minha mão. A respiração era irregular. Foi quando notei os belos seios por baixo do vestido vermelho sem adornos. Não eram fartos, mas muito atraentes.

— Por que vieste até mim? Ainda não é chegada a minha hora, sei disso. E tu também o sabes. Portanto, por que me atormentas assim?

— Como? Do que está falando? Acabei de sair do hospital e achei que saber do meu futuro seria bom.

— Ora, então me diz quem és tu, afinal — me respondeu, após me fitar por alguns momentos, tentando esconder a perturbação que eu causava.

— Sou professor, dou aulas de História na escola aqui perto. Ela quer saber mais do que me pergunta. É como se estivesse me testando. Mas por quê? Qual o propósito disto? Será que ela também se interessou por mim? Essas cicatrizes são por causa de um acidente em uma viagem com os alunos na última semana. Hoje descobri que um dos meus alunos morreu naquele dia.

Atormentando Pilar - de Giovani ArieiraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora