Ventos para Areia Branca - Capítulo II

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Capítulo 2

A viagem

Nove e meia da noite, o som do D.J. mais caro de Salvador começou a tocar na minha festa de despedida, mas a música não me toca mais como antigamente. Mesmo vendo quase todos ali, reunidos, para desejarem-me boa viagem, meu coração não conseguia ficar tranquilo. Sempre viajei muito na minha vida, o meu trabalho requer, mas nunca senti tanta apreensão como às vésperas daquela em especial.

– Oh Zé, não fique triste não, meu amor. Seis meses passam rápido, você vai ver. Além disso, todo mundo adora os Estados Unidos! – após um beijo, Camila, minha noiva, falou-me ao pé do ouvido como se estivesse tentando me consolar.

– Eu sei, mas vou sentir saudades de você. Tem certeza que não pode tirar uma licença da faculdade? E se eu falar com o reitor? – dei o meu último tiro, sem querer aceitar o fato de ela estar trocando a minha companhia por algumas aulas na faculdade de psicologia.

– Você sabe, amor, não posso me ausentar no último semestre do curso. Pense como vai ser legal, você volta e comemoramos a minha formatura! Prometo fazer a festa mais luxuosa da Bahia!

Não entendi o porquê de tanta urgência em se formar agora, uma vez que Camila não era mais nenhuma garota, já tinha quase trinta anos. Na sua, digamos que, “vida fácil”, ela nunca chegou a vestir a carapuça da mais estudiosa das estudiosas. Filha do magnata da soja do centro-oeste baiano, a princesinha só foi atentar para o fato de que deveria investir mais na sua educação, quando aos vinte e quatro, cansou de frequentar festinhas organizadas pela nata da sociedade baiana. Dá-me náuseas só de pensar nessa podre nata, coalhada desde o início dos tempos, apesar de me intitularem como um dos seus membros mais ilustres. Mas quem sou eu para me sentir melhor ou pior do que eles?

Sou neto de um dos homens mais ricos do Brasil. Meu avô paterno, o senhor “doutor” Estevan Pompeu de Lear, foi o fundador do maior banco da Bahia, a Casa de Depósitos. Nasci e fui criado como um príncipe, em berço esplendido, com todas as honrarias que você pode imaginar. Avião e lancha ao nosso dispor para levar-nos dentre outros lugares à mansão da nossa ilha, jantares e mais jantares no seio da sociedade baiana, contato íntimo com os mais bajulados políticos do nosso país e exterior, acesso às melhores escolas e cursos, tudo isso era muito trivial ao nosso dia-a-dia. Sem contar com o emprego certo no patrimônio da família, afinal, alguém deveria aprender como seguir adiante com o negócio, e assim continuar provendo aos novos Lear que estavam por vir toda essa boa vida. Tudo isso pra quê? Para nada! Chego a essa conclusão com tristeza. Estranho, pois a única parte boa que restou em mim vem da família da minha mãe, não tão fidalga assim.

Desde pequeno fui obrigado a ouvir da boca dos meus colegas do Colégio Saint Paul de Salvador – onde somente a classe mais restrita de filhos de milionários era convidada a ter uma educação inglesa –, piadas sobre a origem da minha mãe. Nunca fui aceito, tampouco aceitei aquele convívio. Cresci um rapaz tímido, introspectivo, cheio de sonhos. Todos eles, um a um, destruídos por planos que já haviam sido traçados antes de eu nascer. Fosse pela minha vontade, eu queria ser músico, ou um simples professor de história, mas não, tudo isso era muito pouco e fora de contexto para o ilustríssimo filho do único herdeiro do banqueiro Lear. Desta maneira, o meu destino foi moldado na forma que veio sendo moldada desde os tempos primórdios do meu avô.

Meu pai morreu cedo, ainda quando eu era um adolescente, o que posso definir como sendo o maior dos dissabores da minha já não tão feliz tenra idade. Dinheiro não foi problema a princípio, pois os dividendos das ações de papai nos sustentavam com folga. O problema mesmo veio com a intromissão total e imediata da família Lear na minha vida e na vida de mamãe. Essa, por que não dizer, cabal invasão de privacidade ocorreu principalmente através da figura de meu avô, obviamente. Inconsolado com a perda do filho, queria de toda maneira cunhar-me o novo herdeiro da administração do banco. No entanto, ele nunca teve senso de limite.

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